Os “nômades” do novo Grande Canal chinês

  • Por Agencia EFE
  • 22/12/2014 10h27

Paloma Almoguera.

Pequim, 22 dez (EFE).- Graças a uma faraônica obra de engenharia, os cidadãos de Pequim podem beber água do Yangtzé há uma semana. Mas a mil quilômetros de distância, os moradores dos arredores da represa de Danjiangkou, o coração da transposição, se transformaram forçadamente em “nômades” do controverso projeto.

Ming Ruixiang, de 55 anos, não lembra quantas vezes teve que se mudar. Em 1966, quando tinha 7 anos, ela e sua família deixaram seu lar, perto da antiga cidade de Junzhou (Hubei, centro), para se mudar para uma uma nova cidade, Junxian, já que a outra ficou alagada por uma obra que tinha acabado de começar.

Quase uma década antes, foi iniciada a construção na zona da represa de Danjiangkou, que levou o nome do município homônimo, cumprindo o desejo de Mao Tsé-tung que o árido norte do país “emprestasse” água do sul, segundo sugeriu o Grande Timoneiro na década de 1950.

Seguindo o estilo dos imperadores chineses de considerar que controlar a água equivale a controlar o país, o regime comunista iniciou um projeto de US$ 60 bilhões, originalmente chamado “Desvio de Água Sul-Norte”, para levar água do rio YangTzé ao norte da China.

O projeto tem três rotas, uma ao oeste, uma no centro e outra ao leste. A segunda é a que já começou a operar com a represa de Danjiangkou como coração de entrada e saída de canais e túneis pelos quais a água flui sobretudo graças à gravidade, sem grandes demandas energéticas.

Mas sim, sob um grande custo meio ambiental e humano, segundo denunciaram há muito tempo organizações como Greenpeace. Entre outros, o deslocamento -reiterado- das cerca de 400 mil pessoas que, como Ming, lembra nesta semana o jornal “Oriental Morning Post”, vivem nas localidades próximas à represa.

Se em 1967 foi a construção do reservatório o que forçou sua família a fazer as malas, em 2005 o governo decidiu aumentar a altura do depósito dos 162 metros iniciais aos 176,6 atuais, o que submergiu mais territórios.

Embora esses dois eventos tenham provocados migrações mais maciças, outras circunstâncias forçaram a população a se deslocar em infinitas ocasiões. Por exemplo, a impossibilidade de continuar praticando a pesca em cativeiro, um dos setores predominantes da comarca.

Isso ocorre com Jiang Decheng, de 45 anos, que continua em Junxian com seus filhos e seu neto apesar dos cortes de eletricidade. Além disso, o governo pensa em acabar no próximo ano com a criação de pescado, sua fonte de renda, pelo temor que os nutrientes e outras substâncias que requerem os animais contaminem as águas.

Ele e outros vizinhos tendem a resistir a deixar para trás suas casas até que veem como a água começa a inundá-las, devido ao afeto chinês por morrer onde nasce e também pelo temor de não receber a indenização prometida pelas autoridades.

A quantidade média é que cada danificado receba oito mil iuanes pela casa (cerca de US$ 1,2 mil), cinco mil iuanes de pensão (cerca de US$ 800) e 600 iuanes (pouco mais de US$ 96) anuais, embora habitantes se queixam que, dois anos após se mudar pela última vez, não receberam tudo, segundo o jornal “Oriental Morning Post”.

Além dos deslocamentos, o Greenpeace denuncia os altos preços que as províncias contíguas tiveram que pagar para garantir água limpa para a capital ou a grande poda de árvores que acarreta o plano.

“O projeto é uma grande carga para uma região que está lutando para se sustentar”, diz Ada Kong, do Greenpeace Ásia Oriental, em comunicado.

Ada acrescenta que “produtos básicos como a água se transformaram em um luxo (nessa zona). Isto mostra claramente que a China está pagando sua expansão industrial com o meio ambiente”.

Uma ideia muito distinta à defendida pelo governo, cuja agência oficial, “Xinhua”, anunciava na sexta-feira que se trata de “um grande progresso” dentro do projeto Sul-Norte, só equiparável em magnitude ao da represa das Três Gargantas, o maior complexo hidrelétrico do mundo, inaugurado em 2003.

No entanto, para um país que tem 20% da população mundial e que perdeu mais da metade de seus rios em meio século (de 50 mil a 23 mil) pelo exploração das fazendas e fábricas, entre outros fatores, são muitos os céticos sobre a eficácia de tamanha represa.

Alguns especialistas recomendam as autoridades a se centrarem em reduzir o desperdício de água, melhorem sua reciclagem e multem os poluentes para subsanar o déficit de provisão no norte, ao invés de embarcar em projetos que herdam a essência dinástica do Grande Canal da China, cujos primeiros lances concluíram no século V antes de Cristo. EFE

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