“Desfile” às escondidas: a dura (mas doce) vida de um empurrador do Carnaval

  • Por Bruno Landi/Jovem Pan
  • 06/02/2016 03h33

Os empurradores de carros alegóricos também são conhecidos como "merendeiros"

Vitor Fracchetta/Jovem Pan Os empurradores de carros alegóricos também são conhecidos como "merendeiros"

“Quando eu ultrapasso a faixa amarela e entro na avenida, o coração dispara. Mas, aí, vamos que vamos. Nada pode dar errado”. Não. As frases anteriores não foram ditas por uma rainha de bateria famosa, um destaque de chão com fantasia ostensiva ou por um presidente de escola de samba consagrado. E sim por um dos muitos rapazes que derramam inúmeras gotas de suor para fazer um carro alegórico andar. É difícil perceber, mas, quando uma imponente alegoria adentra a passarela e levanta o público, há dezenas de pessoas, ofuscadas pela beleza do momento, fazendo força descomunal para que tudo dê certo. Elas quase não são vistas, mas, acredite, são tão ou mais importantes que as estrelas que abrilhantam um desfile no sambódromo.

Conhecidos como merendeiros, os empurradores de carro alegórico são a maior personificação do “Lado B” do carnaval. Se por horas e horas a avenida é ocupada por celebridades que atraem inúmeros flashes, também sobra espaço para que eles, os merendeiros, atravessem a passarela do samba. Não regidos pela cadência da bateria ou pelos aplausos do público, mas por gritos de “vai devagar!” ou “acelera!”. Enquanto mulheres seminuas e bailarinos fantasiados hipnotizam o público com belas performances sobre as sempre lindas alegorias, os empurradores estão lá atrás, com as duas mãos no ferro, o corpo inclinado para frente e uma invejável resistência à pressão de fazer tudo funcionar perfeitamente. E o detalhe: eles dificilmente têm o esforço reconhecido.

Este é o caso de Marcos Paulo (foto abaixo). Há exatamente uma década, ele empurra os carros da Rosas de Ouro. “Faço parte do apoio de alegoria”, trata de dizer, sorridente, o vendedor de uma empresa que comercializa produtos do setor alimentício. “Amanhã mesmo eu preciso estar às 5h na firma para trabalhar, mas, hoje, a atenção é toda para a escola de samba. Minha roupa já está no carro. Acabando o desfile, visto rapidinho e já vou para o trabalho”, revelou, verbalizando toda a paixão que sente pela agremiação da Freguesia do Ó. “Eu não ganho nada para estar aqui. É puro amor pela escola. Só isso”, declarou-se.

Se as estrelas que participam do carnaval dizem que cruzar a avenida provoca uma das sensações mais genuínas que um ser-humano pode sentir, não é muito diferente com os merendeiros.  “Acho que a emoção é até maior, porque a gente tem que fazer acontecer, tem que botar o carro na avenida independente dos percalços. Teve uma vez que o cambão de uma alegoria quebrou minutos antes de desfile. Aí, tivemos que entrar embaixo do carro para consertar. É pura adrenalina”, contou Marcos Paulo.

Assim como as musas, que passam horas na academia para chegar ao carnaval com um corpão, os empurradores também precisam passar por uma forte preparação antes de atravessar o sambódromo com a escola de samba. “Semanas antes do carnaval, a gente faz a tomada de tempo na avenida e calcula a quantidade de integrantes necessários para empurrar o carro. Porque, na hora, não pode haver nenhuma falha”, revelou Paulo. “Dá para curtir o desfile, mas de uma outra maneira. É muito prazeroso botar na avenida o carro pelo qual você é responsável. E tem que terminar intacto. A minha grande vitória é fazer o carro andar perfeitamente na passarela do samba”, completou.

A vida de um empurrador de carro alegórico, então, também tem o seu lado doce. E a prova disso vem do México. Aos 58 anos, o fotógrafo Antonio Molina (foto acima) largou a América do Norte por um mês para curtir o carnaval brasileiro. Mas esqueça o luxo de um desfile: ele preteriu as fantasias para se arriscar como merendeiro da Rosas de Ouro.

“Eu amo o clima do Brasil, por isso vim conhecer a experiência de trabalhar como apoiador no carnaval”, afirmou, com um contagiante brilho no olhar. “Estou muito impressionado com as fantasias e os carros alegóricos. É tudo muito lindo. Conhecia o samba apenas de discos, de vídeos na internet. Nunca tinha ouvido pessoalmente. A bateria é emocionante, parece que faz pulsar mais forte o coração”, acrescentou. “Já me apaixonei pela Rosas de Ouro”, decretou.

Enquanto Molina falava à reportagem com um largo sorriso no rosto, outro merendeiro apenas observava, à distância, o efêmero instante de fama do recém-conhecido colega. A frase que disse? Não poderia ser capaz de definir melhor o paradoxo vivido pelos centenas de empurradores que fazem do carnaval um dos grandes espetáculos da Terra: “esse daí veio para trabalhar, mas, pelo jeito, vai ficar curtindo como se estivesse desfilando, de fantasia”.

Alguém pode julgá-lo?

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