Entenda como a Ferroviária se tornou a sensação que pôs o Palmeiras “na roda”

  • Por Jovem Pan
  • 29/02/2016 18h33

Ferroviária Leonardo Fermiano/Ferroviária/Divulgação Ferroviária

Nem Palmeiras, nem São Paulo, nem Santos. O dono da segunda melhor campanha do Campeonato Paulista de 2016 vem do interior, não jogava a elite estadual há 19 anos e carece de grandes títulos em sua história. Você pode não acreditar, mas a tradicional e carismática Ferroviária, de Araraquara, é a única equipe que tem conseguido rivalizar com o poderoso Corinthians nos primeiros jogos da temporada. 

Depois de sete rodadas, a Locomotiva soma 13 pontos, lidera o Grupo C (à frente do São Paulo) e só tem aproveitamento inferior ao do atual campeão brasileiro no Paulistão de 2016. Atual detentor do título da Série A2, o time de Araraquara é, sem dúvidas, a grande sensação da primeira competição do ano. 

E não são só os resultados da Ferroviária que impressionam. O estilo de jogo da equipe interiorana, que atua com a bola no chão, dificilmente apela às ligações diretas e confunde as marcações adversárias com intensa movimentação no meio de campo, tem enchido os olhos do torcedores paulistas. Há duas semanas, por exemplo, a Locomotiva foi melhor que o Corinthians na Fonte Luminosa e só não venceu porque os comandados por Tite anotaram o gol de empate aos 38 minutos do segundo tempo. 

No último domingo, por sua vez, não teve jeito: o time de Araraquara deu uma verdadeira aula ao Palmeiras em pleno Allianz Parque. Curiosamente diante do grande que mais sofre para sair jogando, a Ferroviária evitou os chutões ao máximo e trocou incríveis 417 passes durante o jogo (contra irrisórios 157 do atual campeão da Copa do Brasil). A Ferroviária colocou o Palmeiras “na roda”, como se diz no jargão do futebol, encerrou a partida com quase 60% de posse de bola e ainda venceu o confronto por 2 a 1.

Mas quais serão os segredos deste time que há 19 anos não jogava a Série A1 do Campeonato Paulista? Abaixo, entenda em cinco tópicos como a Ferroviária se tornou a grande sensação do Campeonato Paulista. 

Clube-empresa 

Em 2003, a Ferroviária chegou ao fundo do poço: ficou na última posição de seu grupo na Série A3 do Campeonato Paulista, foi rebaixada à última divisão estadual e, ainda por cima, afundou-se em dívidas. Foi o sinal de que alguma coisa precisaria ser feita. A partir daí, o clube de Araraquara se reformulou. Em 2004, a diretoria grená profissionalizou todos os seus departamentos e estabeleceu importantes parcerias com empresários da região. Traduzindo: a Ferroviária virou um clube-empresa. 

Foram necessários mais seis anos para que os resultados começassem a aparecer dentro de campo. Somente em 2010 a Ferroviária voltou à Série A2 do Paulista. Hoje, contudo, a infraestrutura da equipe de Araraquara é considerada acima da média se comparada com a dos outros clubes do interior.

Temos nutricionista, analistas de desempenho, departamento médico muito bem aparelhado, fisioterapia de ponta... Tudo está à disposição da comissão técnica“, revelou o presidente da Ferroviária, Carlos Salmazo, em entrevista a José Manoel de Barros, da Rádio Jovem PanInvestimos muito em conjuntos de mídia e informática. Os nossos jogos são gravados pelos analistas de acordo com a necessidade do treinador. Eles são filmados em ângulos nossos, e não da TV. As imagens são passadas a cada atleta para que eles entendam o próprio posicionamento e dinâmica dentro da partida”, acrescentou, exemplificando um dos diferenciais do clube.

Parceria com o Atlético-PR 

Além de ser um clube-empresa, com todos os seus departamentos profissionalizados, a Ferroviária conta com outra curiosa particularidade para conseguir competir em alto nível no Campeonato Paulista de 2016: uma interessante parceria com o Atlético-PR. O time de Curitiba cedeu dois gestores (o coordenador de futebol, Sidiclei Menezes, e o CEO, Pedro Martins) e também emprestou 11 jogadores à equipe de Araraquara. 

Entre eles, estão o goleiro Rodolfo, o meio-campista Juninho e o atacante Tiago Adan, três dos principais destaques do time na Série A1 desta temporada. O Atlético-PR cede os atletas por empréstimo, dá experiência e rodagem a eles e, ainda por cima, recebe a prioridade de suas futuras negociações.  

A parceria é baseada na ideia de “clube-satélite”, muito utilizada no futebol europeu nos últimos anos, e também envolve treinadores – Milton Mendes, ex-técnico do Atlético-PR, foi campeão da Série A2 com a Ferroviária, e Sérgio Vieira, atual treinador da Locomotiva, já trabalhou na base da equipe paranaense.

Tradição 

Apesar de ter ficado 19 anos longe da primeira divisão paulista, a Ferroviária é um dos clubes mais tradicionais do interior de São Paulo. Para se ter noção, ela chegou a participar de 29 edições consecutivas da Série A1 do Campeonato Estadual (de 1967 a 1996). Além disto, formou um dos times mais fortes da competição no início da década de 1960. Com um meio-campo formado por Dudu, que jogaria ao lado de Ademir da Guia no Palmeiras, e o talentosíssimo Bazzani, que é considerado o maior ídolo da história do clube, a Ferrinha conseguiu rivalizar com os quatro grandes de São Paulo durante anos. 

Isso quer dizer que, ao contrário dos novos clubes-empresas, como Red Bull Brasil e Grêmio Osasco Audax, a Ferroviária tem muita tradição e história. Assim, não se intimida ao encarar os gigantes do estado. A torcida grená é conhecidamente fanática e pode ser o 12º jogador do time em busca de posições elevadas no Campeonato Paulista. Hoje, o clube de Araraquara conta com a boa marca de 2,5 mil sócios-torcedores – o objetivo é duplicá-la em 2016.

Técnico europeu 

Outro “segredo” da surpreendente Ferroviária está no banco de reservas. O time grená é comandado simplesmente por um técnico português, o jovem Sérgio Vieira. Ele tem apenas 33 anos e está no Brasil desde fevereiro do ano passado. Durante uma década, Vieira fez cursos, conseguiu certificado da UEFA, trabalhou como auxiliar em grandes equipes do futebol de Portugal, como Sporting e Braga, e participou das maiores competição do planeta, como Liga Europa e Champions League. 

Ligado ao Atlético-PR, ele comandou o time rubro-negro sub-23 e chegou a estar à frente da equipe profissional como interino em duas partidas em 2015. No meio do ano passado, por sinal, foi emprestado ao Guaratinguetá e salvou o clube paulista do rebaixamento à Série D do Campeonato Brasileiro. Vieira é estudioso, sério e tem conceitos futebolísticos bem definidos. Ele chegou à Ferroviária para desenvolver uma filosofia de jogo, e não necessariamente para buscar bons resultados à qualquer custo. 

“A partir de 2004, com o trabalho do José Mourinho no Porto, vi que o futebol era uma ciência como todas as outras. Para ser técnico, é necessário ter prática e um trabalho forte no dia a dia, mas também muito conhecimento“, disse Sérgio, em entrevista a Daniel Lian, da dio Jovem Pan. “Fiz curso e tirei o certificado da Uefa, mas sinto que não posso parar por aqui. Preciso estar em constante evolução, aprendendo sempre”, acrescentou. 

Sérgio Vieira se espelha no também português Jesualdo Ferreira, que tem 69 anos e foi tricampeão nacional com o Porto entre 2006 e 2009. Atualmente, ele está no futebol do Catar. Ambos trabalharam juntos no Sporting, em 2013, mais ou menos como aconteceu com José Mourinho e André Villas-Boas no início do século, no Porto. A escola portuguesa de técnicos, por sinal, é boa – hoje, Paulo Sousa comanda a Fiorentina; Leonardo Jardim, o Mônaco; Vítor Pereira, o Fenerbahce; e Villas-Boas, o Zenit. 

Ter um técnico europeu não é nada depreciativo para nós, da Ferroviária, porque a Europa, hoje, tem a liderança do futebol mundial em termos de organização, investimento, tecnologia e modernidade. Nós temos os atletas, então temos de investir também nos treinadores, explicou o presidente da Ferroviária, Carlos Salmazo.

Filosofia de jogo 

Está aí o principal “segredo” da Ferroviária. O time de Araraquara joga um futebol moderno, com os jogadores aproximados e máxima resistência aos chutões. O goleiro Rodolfo, por exemplo, atua bastante adiantado, como uma espécie de líbero, e não hesita em sair jogando com os pés. O mesmo acontece com os zagueiros, que evitam a ligação direta e até correm alguns riscos tocando a bola sempre no chão, buscando tabelas com volantes e laterais. 

Do meio para frente, a intensidade é grande. Os jogadores trocam de posição constantemente e sempre procuram formar triângulos para facilitar a troca de passes e ter superioridade numérica em diferentes setores do campo. O que se vê é uma Ferroviária envolvente e vistosa, capaz de rivalizar com o Corinthians de Tite e dominar a posse de bola diante do claudicante Palmeiras de Marcelo Oliveira. 

“A Ferroviária hoje é um time que trabalha as jogadas, que atua com a bola no chão, não dá chutão em tiro de meta, ou seja, é muito bem treinada e distribuída dentro de campo. Neste Paulista, fizemos um gol contra o Red Bull com 19 segundos em uma jogada absolutamente ensaiada. A retaguarda que conseguimos dar fora de campo tem sido retribuída pelos jogadores e comissão técnica dentro dele“, comemorou o presidente Salmazo. 

Se a Ferroviária começou o Campeonato Paulista objetivando apenas a permanência na Série A1 para 2017, o excelente trabalho já permite que o sonho se amplie. Hoje com a segunda melhor campanha do Estadual, o time de Araraquara se apoia em uma infraestrutura exemplar, uma parceira interessante, na tradição que sempre teve e na filosofia de jogo de um técnico português para, quem sabe, repetir o que o Ituano fez em 2014. Ou você ousaria duvidar da conquista do título paulista por mais uma equipe do interior? É melhor não arriscar…

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