Florentino revoluciona ao fazer Real virar rica multinacional e coleciona troféus

  • Por Estadão Conteúdo
  • 29/05/2017 09h50
EFE Na coletiva em que muitos esperavam a demissão de Rafa Benítez

Em dia de jogo no Santiago Bernabéu, a tribuna de honra do estádio mítico do Real Madrid reúne semana após semana a cúpula da sociedade espanhola. São empresários, ministros, presidentes, juízes, embaixadores e a elite financeira espanhola. Os locais são disputados. Não só para ver as partidas. Mas pela possibilidade de encontrar, de forma confidencial, as pessoas mais influentes do país. Essa transformação de um mero local VIP de um estádio em palco do poder foi obra de um homem: Florentino Pérez. 

Em sua gestão, ele transformou o Real em uma das multinacionais mais ricas do esporte, fincou seu pé na Ásia, Estados Unidos e Oriente Médio e reforçou o papel do já tradicional clube como uma máquina de influência política e de negócios. 

Não hesitou em inflacionar o mercado, gastou mais de US$ 1 bilhão (R$ 3,7 bilhões) com reforços em 15 anos e não pensou duas vezes em demitir lendas vivas do clube. Acima de tudo, para muitos, inaugurou uma nova fase da gestão do futebol. 

Tão adorado quanto odiado, o empresário vai na semana que vem para mais uma final da Liga dos Campeões, contra a Juventus. Se vencer, será o primeiro bicampeão do torneio em quase 30 anos e consolidará o Real como o maior da Europa.

Mas as origens do dirigente não estavam no esporte. Nunca foi jogador. Filho do dono de uma perfumaria, formou-se em engenharia e, ainda nos anos 1970, comprou uma construtora falida. Aos poucos foi incorporando outras, até erguer a Actividades de Contruccion y Servicio (ACS), uma das maiores empreiteiras do mundo.

A explosão de seus negócios, porém, não ocorreu por acaso. A empresa se aproveitou da privatização realizada na Espanha nos anos 1980 e 1990, além de obter dezenas de contratos de concessões públicas. Naquele momento, para obter esse contratos, era necessário alguém com contatos com a nova administração democrática. Florentino os tinha. 

Antes da expansão de seus negócios, ele havia passado pela política, no primeiro governo democrático de Adolfo Suárez. Foi ainda diretor de infraestrutura do Ministério dos Transportes. Quando as concessões começaram a ser dadas, não foi surpresa a coleção de contratos que a ACS acumulou. A Espanha, nos anos de 1980 e 1990, vivia um boom no setor da construção com a entrada do país na União Europeia e com o fluxo de dinheiro que Bruxelas oferecia para modernizar estradas, aeroportos e dezenas de obras

Mas foi durante sua presidência no Real Madrid que seus negócios prosperaram. Quando ele assumiu pela primeira vez o clube, em 2000, sua empresa era apenas a quinta maior da Espanha. Em 2006, ela já era a primeira. Hoje, de cada dez euros gastos pelo estado em obras públicas, sete vão para Florentino Pérez. A empresa conta com 176 mil empregados e uma receita anual de 32 bilhões de euros (cerca de R$ 116 bilhões). Sua fortuna – avaliada em US$ 2,2 bilhões (aproximadamente R$ 7,1 bilhões) pela Forbes – é uma das maiores do país europeu. 

Nesse percurso, não faltaram polêmicas. O dirigente vendeu para a prefeitura de Madri os terrenos de seus campos de treinamento por 400 milhões de euros (cerca de R$ 1,4 bilhão). Mas, ao mesmo tempo, obteve os contratos para construir no local um centro de negócios, em uma licitação repleta de controvérsias. As investigações que ocorrem na Espanha sobre a corrupção no maior partido do país, o PP, também apontam suspeitas de pagamentos de propinas pela ACS para obter contratos públicos. 

Os resultados de sua gestão foram reais em campo. Florentino presidiu o Real entre 2000 e 2006. Voltou ao cargo em 2009 e ainda o mantém, sem dar qualquer sinal de que esteja pensando em abandoná-lo. Nestes anos, a sala de troféus do clube teve de ser ampliada de forma considerável, com 15 títulos. 

Sua grande inovação foi a de pensar o clube como uma empresa. Para isso, criou um time mítico, com Ronaldo, Zidane e Beckham. Os “galácticos” acabaram sendo um divisor de águas na gestão do futebol, mesmo com todas as críticas de que o desempenho esportivo do elenco não atendeu às expectativas. 

A meta não era apenas o resultado em campo, e sim quantas camisas eram vendidas e quanto se pagava pelo mundo para transmitir uma partida daquela equipe. Mas, entre 2003 e 2006, a seca de títulos levou a constatação do próprio empresário de que sua estratégia de apenas trazer estrelas não era sustentável. Quando voltou à presidência, em 2009, ele trabalhou para equilibrar o grupo entre as estrelas do marketing com jogadores que faziam a diferença em campo. A chegada de Cristiano Ronaldo selou essa nova etapa. 

HONRA – Não foi apenas em campo que o clube ganhou com Florentino. Uma lenda urbana corre por Madri. Ela diz que, se um empresário for convidado a assistir a um jogo na tribuna de honra do Santiago Bernabéu, receberá uma oferta para que venda sua empresa ou ele sairá de lá com algum tipo de contrato. 

Em certos jogos, já foram registradas a presença de até cinco ministros do governo. Para muitos, portanto, a tribuna é um atalho para acordos, longe das câmeras. Uma crítica ao modelo de negócios na Espanha e às relações nem sempre transparentes entre empresas e o setor público foi feita pelo economista Luis Garicano em seu livro O dilema da Espanha. “O capitalismo de amigos é, na Espanha, o capitalismo da tribuna do Santiago Bernabéu”, disse.

Florentino garante que as histórias de que sua tribuna virou um salão exclusivo de negócios é “um conto” e que, na tribuna do estádio, fala-se de futebol. Nem seus jogadores acreditam.

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