Irreverente, César Maluco diz que “falta porrada” nos jogadores e critica Nobre

  • Por Bruno Bataglin/Jovem Pan
  • 18/05/2015 16h10

O ex-atacante César Maluco Rafael Souto/Jovem Pan César Maluco durante entrevista para Jovem Pan Online

Autor de 180 gols em 324 jogos com a camisa alviverde, César Augusto da Silva Lemos é o segundo maior artilheiro da história do Palmeiras e o maior goleador do clube depois da ‘era Palestra Itália’. Seu estilo rebelde rendeu um apelido que, com certeza, é muito mais conhecido pelos palmeirenses do que seu nome completo: César Maluco.

O ex-atacante defendeu o Verdão entre 1967 e 1974, quando fez parte da chamada ‘segunda Academia’, e tem em seu currículo cinco títulos do Campeonato Brasileiro (1967 – Roberto Gomes Pedrosa e Taça Brasil, 1969 – Roberto Gomes Pedrosa, 1972 e 1973) e dois do Campeonato Paulista (1972 e 1974). Em uma longa entrevista concedida ao Jovem Pan Online, César Maluco mostrou que não perdeu a irreverência, mesmo já com seus recém-completados 70 anos de idade (faz aniversário no dia 17 de maio), e falou sobre Paulo Nobre, sobre o Palmeiras atual e disse que falta vergonha na cara para os jogadores dos dias de hoje.

Jovem Pan Online: O que acha do atual momento do Palmeiras?

César Maluco: Vamos falar de 2014 e 2015. Nós tivemos uma eleição de um presidente que investiu R$ 100 milhões na época e contratou jogadores sem ter condições de vestir a camisa do Palmeiras, esse manto sagrado. Jogadores que não foram titulares em equipes grandes e o presidente contratou 40 jogadores. Ele (Nobre) acha que dinheiro compra tudo. Então ele comprou 40 jogadores que não deram pra montar nem uma equipe de 11 jogadores. Em 2015, ele contratou mais 20 jogadores, que no total, dá 60 e, desses, tiraram 11 jogadores daqueles que se destacaram mais e tinham mais nome. E formaram um time.

Contrataram o treinador Osvaldo, um treinador vencedor, que sabe conversar com o jogador, fala a língua do boleiro. Porque é difícil. Muita gente pensa que é fácil, mas não é. Ele formou um grupo, uma família, e essa garotada lutou por tudo e por todos. Esperava conseguir um título. (O Paulo Nobre) é merecedor, porque é um cara palmeirense. Mas aqui no Brasil, sinceramente, com o dinheiro que ele investiu, R$ 150 milhões, dava para fazer um segundo Barcelona.

O Cruzeiro foi campeão com R$ 38 milhões. Gastou R$ 38 milhões para contratar os jogadores e contratou os caras certos. Lá atrás, quando nós fizemos a segunda Academia, desfazendo a primeira, que era Valdir, Djalma Santos, eu estava nesse meio, Zequinha, Ademir da Guia, Servílio, Tupã, Ademar Pantera, só deixaram três da primeira. Depois contrataram dois de cada posição. Compraram 22 jogadores e fez uma troca entre os jogadores da primeira Academia com os mais jovens. Foi bem feito e em meter a mão no bolso. O bom presidente é aquele que não coloca a mão no bolso e traz dinheiro de patrocinador. Ele, pela vaidade dele, um garoto de 46 anos, advogado, nunca colocou umbiguinho no balcão. Colocar o umbiguinho no balcão é duro. Nunca teve a luta que eu tive. Vim de uma família humilde e batalhando e batalhando para dar o conforto para meus pais. Ele não, ele é de berço de ouro e tal. É merecedor, porque Deus sabe o que faz. Agora, ele não foi bem e esperamos agora que, no Campeonato Brasileiro, o Palmeiras contrate cinco jogadores. Mas os jogadores não têm culpa, o culpado é quem contratou e a torcida deve cobrar esses.

JP: Como avalia a gestão do Paulo Nobre?

CM: Eu saí como vice na oposição. Parece que eu sou situação e ele é oposição. Porque ele passou a brigar com a gente e a gente tem amor pelo clube há mais tempo. Ele não é sabedor disso. Ele tem essa briguinha com a gente, não fala comigo, não fala com o pessoal da oposição. Eu acho que esse negócio de situação e oposição tem que existir, mas acabou a eleição, daqui a um mês, vamos juntar todo mundo, vamos fazer uma família. O Palmeiras é um condomínio, ninguém fala com ninguém, e por isso não vai para frente. Agora, é merecedor, tem seus méritos porque chegou à final do Campeonato Paulista. O Palmeiras deve muito (dinheiro), mas deve para ele. O Palmeiras vai ser refém dele durante dez anos, então ele acha manda no Palmeiras. Mas o Palmeiras não tem dono, é maior do que todo mundo. Então ele acha que é assim. Tanto é que eu tive um relacionamento ótimo com ele, porque eu fui militar e ele foi militar também e ele sabe o comportamento nosso, de quem passa pelo Exército, e ele foi legal comigo.

Eu o considero meu amigo, mas não sei se ele considera meu amigo. Mas foi um negócio triste. Era um cara bacana, sempre conversava comigo, e que deixou de lado desde que eu saí como vice da oposição. Em eventos do clube ele não me convida. E também não me faz falta. O importante é que eu cumpri meu papel. Eu tenho um passado pelo Palmeiras e ele está fazendo ainda a vitória dele. Mas é a vida. Eu falei com ele ‘depois que você sair do Palmeiras e acabar a sua gestão, ninguém vai te conhecer mais não. Agora eu, desde que eu cheguei e até hoje, sou conhecido’. E ele podia ter passado e saído do Palmeiras, está passando ainda, de cabeça erguida. ‘Cumpri meu papel e deixei o Palmeiras no lugar em que ele merece, no topo’.

JP: E comparando a gestão do Paulo Nobre com as do Affonso Della Monica, do Luiz Gonzaga Belluzzo e do Tirone, como vê?

CM: Eu acho que o doutor Della Monica e o doutor Belluzzo não podemos incluir nesse meio. O doutor Belluzzo é uma cabeça maravilhosa, um cara de um respeito maravilhoso pelo Palmeiras, é um palmeirense doente. Ele teve na gestão alguém ao seu lado que o atrapalhou. Mas ele foi à final do Campeonato Brasileiro e do Campeonato Paulista. Se não é o Belluzzo, o Palmeiras não tem essa arena hoje. O Palmeiras estava com uma dívida grande, ele foi lá e acertou. O que entrou depois dele (Tirone) não deu continuidade e não pagou nada. A dívida voltou toda. O Paulo pegou essa dívida e segurou. Eu acredito que pagou. Agora, quando você começa a meter a mão no bolso e pagar R$ 150 milhões você tem que pagar até o fim. Você não pode cobrar do associado coisas que não foram feitas por eles. O associado não tem culpa. O associado não tem que pagar nada. Se ele tem R$ 150 milhões, por que cobrar do associado? Eu só quero ver para onde foram esses 150 milhões, eu faço parte do conselho e ninguém viu ainda. Ninguém sabe onde estão esses 150 milhões.

Temos que montar uns 10 Valdívias para vender. Ele foi comprado a primeira vez por R$ 3 milhões. Venderam o Valdívia e depois compraram ele por R$ 18mi. O futebol hoje é o melhor emprego do mundo.

JP: Agora, nos anos 2000, Palmeiras teve títulos da Copa do Brasil e do Campeonato Paulista, mas não passou disso. Teve dois rebaixamentos e foi uma época que, bem entre aspas, dá para comparar com a década de 1980. Acha que dá para comparar ou os rebaixamentos são mais marcantes?

CM: Eu acho que a maioria dos clubes brasileiros grandes já caiu para a segunda divisão, isso faz parte do futebol. Hoje não existe um time que você pode falar ‘esse é um time que vai ser eternamente vitorioso’. Na década de 1960 ainda tinha, o Santos, Palmeiras, São Paulo. O próprio Corinthians ficou 23 anos sem ganhar um título. Essa queda do Palmeiras, nós caímos com um presidente, que pode falar o que for, mas é um cara vencedor. O cara mais vitorioso no Palmeiras é o Mustafá Contursi. Vários títulos, mas é aquele homem que não quer ficar fora do poder. Então ele manda lá dentro do Palmeiras.

JP: O time atual tem potencial para conquistar um título?

CM: Na minha opinião? Não. Eu acho que o Palmeiras tem que contratar mais cinco jogadores de ponta. O Palmeiras sempre foi um time que teve grandes jogadores, da Seleção Brasileira, jogadores de ponta.

JP: O que o Palmeiras pode almejar no Campeonato Brasileiro?

CM: Pelo meio do caminho ali, esperamos que o Palmeiras consiga. É chato falar isso, porque hoje eu sou um torcedor a mais, porque eu joguei e vesti essa camisa. Eu sei que o torcedor fica triste quando eu falo um negócio desse. Mas vamos olhar, vamos ser sério, olhar a realidade. O Palmeiras é um time que chegou à final, nos pênaltis, perdeu nos pênaltis também. Ganhamos do Corinthians nos pênaltis também. Ganhamos do São Paulo em casa por 3 a 0, e isso foi uma grande vitória. Então são oportunidades. Não pode perder aquelas grandes oportunidades que surgem. Surgiu com 30 segundos de jogo uma grande oportunidade, tem que fazer o gol, não pode perder. Eu aprendi isso lá atrás, na escolinha de futebol do Flamengo. Você não pode pensar que vai surgir mais nos 90 minutos. Então eu aprendi muito com os jogadores do Palmeiras, da primeira Academia.

(César Maluco muda de assunto e começa a comparar sua época de jogador com a de hoje)

CM: Na minha época, jogador de futebol era visto como vagabundo, era difícil para a gente conhecer menina de família. Isso nos anos 60. Hoje jogador de futebol é artista. Qual pai não quer que a filha se case com jogador de futebol? Mas tudo bem, a vida é assim. Essa garotada é merecedora, eu acho realmente que tem que ganhar muito dinheiro. Na nossa época nós tínhamos cinco jogadores para cada posição. Tinha um Pelé, mas o reserva dele dava conta. O time continua. Hoje, não. Determinado jogador se machuca, o time acaba. Nós tínhamos uma escola de futebol. Você tinha orgulho de falar que era de uma universidade de jogadores.

Hoje eles (atletas) passam pela gente sem nem falar nada. Eu não gosto nem de ir a jogo, porque eu não gosto nem de olhar para eles, não gosto de como eles se comportam. Negam autógrafo, uma foto e não devem fazer isso. Por isso eu sou querido até hoje, porque todos nós somos iguais. Hoje eles fazem pouco de torcedor. Tem senhor de idade que quando me vê chora. E eu sei o que é isso, porque eu fui torcedor. E eu soube cumprir meu papel, nunca tomei uma vaia.

JP: Falando dos jogadores atuais, você acha que faltam mais César Malucos, com personalidade?

CM: Faltam. Hoje o jogador quer saber de ganhar dinheiro, não se importa com torcedor. Carro e essas coisas que eu comprava, eu usava só o dinheiro da premiação do bicho, essa era a premiação. Você ganha o jogo e pagavam na hora. Hoje, eles não querem saber de R$ 10 mil reais. Eles ganham R$ 150 mil, R$ 200 mil, e não querem saber de jogar. Eu me sinto triste quando o torcedor tem amor pelo jogador que não está jogando, que não tem amor pela camisa. Eu sou muito camisa, nasci assim. A minha escola era outra. Eu acho que o jogador tem que ter mais amor ao clube, até porque é do clube que vem o dinheiro dele. Só de você imaginar que está levando para campo 10 mil torcedores. Quantos deixaram de almoçar em um domingo para ver o Palmeiras jogar? Mas os jogadores de hoje não sabem desses sacrifícios de torcedor. E chega lá o cara faz a palhaçada dele.

JP: Quando você fala desses jogadores que não mostram serviço, por acaso você estava falando de um camisa 10 chileno?

CM: Não, o garoto está na dele. O Palmeiras dá toda a liberdade para ele. Se eu fizesse 1% do que o Valdivia faz, na nossa época, eu não jogaria bola. Era multado em 60%. Eu tinha o contrato de um ano, que começava em janeiro e terminava em dezembro. Eu fiz dez contratos no Palmeiras. E esse contrato era o seguinte: terminava e antes de entrar de férias, esperava renovar o contrato. Na volta, tinha uma fila para assinar. Se oferecia R$ 3.500 era R$ 3.500. Se não quisesse, podia sair do clube. Eu era o cara mais novo do clube, mas imagina o dirigente falar isso pro Djalma Santos. Hoje o dirigente tem muito medo de falar com o jogador de futebol, porque tem medo que a imprensa fale mal dele. Você mesmo, para entrevistar jogador de hoje, tem que falar com secretário, que fala com assessor para ver se pode. Para com isso, gente. Esses dias a gente estava falando do nosso grupo da oposição. Nós íamos acabar com tudo isso. A imprensa seria livre, iria assistir ao treino e ver como o cara se comportou. Porque hoje mal veem as confusões que tem, porque tem muita. E você tem que entrevistar o jogador que eles querem, não o que você quer. E a imprensa tem que ser livre. Vai dar entrevista e acabou.

JP: Hoje tem muito media training. Não atrapalha muito, por não ter mais um jogador que dê uma declaração contundente?

CM: Tem que parar com isso, eu não entendo. Desculpa a expressão, eles não jogam nada. Por isso eu cito o time do Santos, porque eles têm uma escola de futebol, só tem ex-jogador. Porque só quem pode demitir jogador é ex-jogador. O Flamengo me deu toda a estrutura, não podia errar um passe, um chute a gol, que eu era cobrado. A maioria dos jogadores do passado foram orientados por um ex-jogador, porque só ele passou por isso. Terminava o jogo a gente saía para tomar uma cerveja e ficava até às 3h da manhã. O relacionamento com o jogador do passado e o jornalista era tudo igual, e tem que ser assim. Porque eles não sabem que vocês (jornalistas) ajudam a gente. Tinha dia que eu falava ‘não estou legal’ e eles pegavam e colocavam. Não falavam quer era ressaca e tal. Isso era gostoso.

JP: E essa vigilância de jogador extracampo?

CM: Jogador não sabe fazer nada. Porque você pode frequentar o que você quiser, sair com quem você quiser, mas é o seguinte: se o seu compromisso é no domingo ou é na quarta, cumpra seu papel. No meu caso, ninguém podia falar nada. Eu saía na noite, mas na sexta-feira, dia de concentração, dormia até domingo. Porque domingo eu sabia que tinha minha obrigação com o torcedor, de chegar lá e fazer gol. E ganhar meu bicho. Na quarta-feira, a concentração era segunda à noite. Os dias que eu tinha para sair eram domingo depois do jogo e quarta-feira depois do jogo. O resto é tudo treino, e jogava às vezes três vezes por semana. E hoje os caras estão cansados. É falta de porrada. Eu joguei, sei como é: tem mais de 30 mil torcedores te olhando. Faça seu papel, senão vai embora, ou está multado em 60%. Hoje são multados em 10%. O que é isso na fortuna que eles estão ganhando?

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