Marielle era voz crítica às polícias do Rio

  • Por Estadão Conteúdo
  • 16/03/2018 10h14
Reprodução/Instagram Marielle Franco foi assassinada no centro do Rio de Janeiro com quatro tiros

Favelada. Essa foi a primeira identidade de Marielle Francisco da Silva – a Marielle Franco -, que a ganhou no dia em que nasceu, em 27 de julho de 1979. A criança ia morar no Morro do Timbau, no Complexo da Maré, um aglomerado de 16 favelas, com Antônio, seu pai, e Marinete, sua mãe.

Até os 16 anos foi a condição de favelada que determinou suas escolhas e seu cotidiano. Só mais tarde, Marielle iria reivindicar e compreender dois outros traços fundamentais para sua vida: ser mulher e negra. Marielle teve formação cristã – era católica. Aos 16 anos, atuava na Pastoral da Juventude como catequista na comunidade.

Com 17 anos, começou a ir a bailes funk. “Era adolescente da favela, que curte baile, torcida, farra, fugir da igreja para ir pro baile”, contou. Ganhou até o concurso de Garota Furacão.

Concluiu o ensino médio estudando à noite em um colégio público. Deu-se conta então de que não tinha bagagem para seguir adiante com os estudos e cursar uma faculdade e, por isso, acabou no curso pré-vestibular comunitário da Maré.

Foi ali que Edson Dias, diretor da ONG Redes da Maré, a conheceu Ele era seu professor de História. “Ela era uma pessoa muito engajada nos problemas da Maré”, afirmou. Como a maioria das meninas da favela – ela dizia – engravidou. Tinha 18 anos, quando acrescentou outra identidade àquelas com as quais nasceu: a de mãe solteira.

Para cuidar de Luyara, hoje estudante de Educação Física da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), teve de largar os estudos. “Porque mesmo com minha mãe ajudando, não tinha como deixar; o foco era cuidar da criança e não tinha ali um pai presente que assumisse as responsabilidades.”

Trabalhou como educadora em uma creche e, dois anos depois, retomou os estudos no mesmo curso pré-vestibular. Foi ali que a violência urbana começou a mudar sua vida, quando uma amiga foi atingida por uma bala perdida durante um confronto entre a polícia e bandidos – o Morro do Timbau é dominado por traficantes do Terceiro Comando Puro.

Entrou na Pontifícia Universidade Católica (PUC), do Rio, onde obteve uma bolsa de 100%. Foi lá que percebeu que não dava para ter uma vida que se resumisse à “trabalho-casa-casa-trabalho” e, de vez em quando, um “vamos à praia”. Marielle queria mais. “Precisava de mais”, disse.

Foi na mesma época em que o debate sobre a segurança no Rio conheceu o slogan: “Não quero meu dinheiro no caveirão, quero meu dinheiro na educação”. Artífice dessa campanha, era outro professor de História – Marcelo Freixo -, personagem importante para a trajetória seguinte de Marielle, na qual acrescentaria às suas identidades outras duas: a de cientista social e a de militante política.

“A Marielle comprava todas as brigas que tinha de comprar. Ela representava aquilo que muito brasileiro quer na política: era uma mulher negra, que nasceu na favela da Maré, era feminista e tinha todas as bandeiras importantes da valorização da vida. Eu tinha muito orgulho dela”, disse Freixo.

Marielle formou-se em Ciências Sociais na PUC e fez mestrado em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF) com uma dissertação sobre as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Fez campanha para Freixo, eleito em 2006. Passou a trabalhar como assessora do deputado, na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio, onde acompanhava casos de violações de direitos humanos, como as praticadas por milicianos e policiais.

Apadrinhada por Freixo, elegeu-se vereadora pelo PSOL em 2016, com 46.502 votos – a quinta maior votação no Rio. Seu gabinete – ela dizia – era um lugar para o debate do gênero, da favela e da negritude. Apresentou 116 proposições e 16 projetos de lei, como o que garantia acesso ao aborto nos casos previstos em lei e o que abria as creches no período noturno para pais que trabalham à noite. Era presidente das Comissão de Defesa da Mulher. Estava casada com Monica, a primeira mulher que beijou, sua “companheira de vida e de amor”.

Sua irmã, a professora de Inglês Anielle Silva, de 33 anos, disse que Marielle não estava sendo ameaçada. “Ela estava muito tranquila.”

As identidades de Marielle marcaram sua militância até o fim. “Quem matou a Marielle achando que ia calar a Marielle, a transformou num símbolo e vai fazer com que muitas Marielles brotem nas praças públicas deste País”, reagiu Freixo. A filha Luyara foi no mesmo caminho: “Mataram a minha mãe e mais 46 mil eleitores! Nós seremos resistência porque você foi luta! Te amo” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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