“No fio da navalha”: o desafio de não ter lado na guerra civil carioca

  • Por Thiago Navarro/Jovem Pan
  • 26/08/2017 08h00 - Atualizado em 28/08/2017 07h41
Divulgação/Rio de Paz Divulgação/Rio de Paz Protesto contra a morte de policiais no Rio de Janeiro coloca imagens e cruzes nas areias de Copacabana; foram 100 assassinados apenas em 2017

Cruzes na areia de Copacabana com o Cristo Redentor ao fundo. Bolas de futebol marcadas por cruzes durante a Copa. Vassouras fincadas na esplanada dos ministérios em Brasília.As criativas manifestações da ONG Rio de Paz frequentemente ganham as capas de jornais brasileiros e internacionais, denunciando a violência que atormenta diariamente a população das favelas cariocas e e o descaso do poder público.

A organização, que tem como lema “direitos humanos não têm lado”, promove atos tanto contra a morte de policiais como das vítimas civis de operações das forças de segurança nas favelas do Rio de Janeiro.

“A proposta do Rio de Paz é andar no fio da navalha. É fazer manifestação a favor do direito da polícia, trabalhando dentro da favela”, define o fundador e líder da ONG, Antonio Carlos da Costa, em entrevista exclusiva à Jovem Pan. O número de policiais mortos apenas em 2017 no Rio chegou a 100 (veja a lista completa mais abaixo).

Costa narra vezes em que já pensou que fosse morrer. E relata que a ONG já sofreu ameaças por tentar se estabelecer no que chama de “Síria latinoamericana encrustada no município do Rio”, a entrada da favela do Jacarezinho, palco de recentes conflitos entre forças armadas e policiais do Rio e traficantes. Além dos protestos, a Rio de Paz promove cursos profissionalizantes (como na padaria-escola) e escola de música na comunidade. O espaço da música, no entanto, localizado na via de acesso ao morro do Jacarezinho, foi alvo de seis tiroteios e 200 balas durante os confrontos das últimas semanas e está com as atividades paralisadas.

A imagem pode conter: 1 pessoa

Antonio Carlos Costa protesta em 2016 (Reprodução/Facebook)

Sobre a ação das forças armadas nas comunidades, Antonio reconhece que “alguma coisa precisava ser feita”. Mas destaca: “só quem não está dentro da favela para achar que uma medida isolada dá conta do problema”. Ele vê como a interação entre soldados e moradores ser positiva, desde que haja “respeito” nas operações. E faz questão de defender tanto o pobre que tem o barraco fuzilado, quanto a vida de PMs e militares: “aquele rapaz vestido com uma farda e distintivo no peito é um ser humano e está sofrendo violação de direitos escancaradamente”.

Além das “soluções isoladas” e vivendo em um “cenário de guerra civil” que assola os pobres dos morros cariocas, Antonio Carlos Costa não tem dificuldades em apontar soluções para a questão da violência no Rio. “A maior parte dos pobres não quer viver numa eterna dependência do Estado, quer ser autor de sua própria vida”, diz, ressaltando os necessários investimentos em educação e empregabilidade nos morros. “Todos conhecem a solução. Falta vontade política e autonomia”, constata.

Ele, que também é pastor evangélico presbiteriano, tem um discurso diferente do conservador jargão que prega que “bandido bom é bandido morto”. O líder da Rio de Paz acredita na recuperação do “bandido” que comete “crimes bárbaros”. “É um mundo em que você lida com pessoas para as quais há esperança e outras que não vão mudar nunca. Eu não me sinto no direito de dizer quem é quem”.

100 policiais foram assassinados no Rio desde janeiro 2017. Veja a lista completa do levantamento realizado pela ONG:

RIO: 100 POLICIAIS MILITARES ASSASSINADOS EM 2017Não temos como ficar calados diante da morte de tantos policiais…

Publicado por Rio de Paz em Sábado, 26 de agosto de 2017

Veja imagens de alguns dos protestos marcantes da Rio de Paz:

Leia e ouça a entrevista completa.

Como surgiu e quais são as frentes de atuação da ONG Rio de Paz?

A ONG se tornou nacional e mundialmente conhecida em uma manifestação de 2007 em frente ao Copacabana Palace, quando montamos um cemitério com 700 cruzes pretas, cada uma representando um cidadão fluminense assassinado nos dois primeiros meses daquele ano. A partir de então os meios de comunicação passaram a nos tratar com muita generosidade, cobrindo nossos atos. Percebemos que havia uma oportunidade rara de semear no País uma cultura de respeito à vida humana e dar voz ao pobre. Foram realizadas manifestações em várias capitais, como Recife, Brasília e São Paulo. Fizemos campanha pela elucidação da autoria da chacina de Osasco.

Decidimos também entrar nas favelas do Rio de Janeiro. Não dava mais para ficar nas áreas nobres protestando aquilo que só conhecíamos de tabela. Quando chegamos na favela levamos um susto. Como um movimento de classe média, entendíamos muito pouco de segurança pública. Era mais a angústia associada à compaixão que nos levava a combater a letalidade do Rio de Janeiro.

A partir de uma manifestação que fizemos contra a morte de uma adolescente, a comunidade nos abraçou e ouvíamos que poderíamos entrar e sair da comunidade Mandela e ninguém tocaria na gente. Montamos a nossa sede no Jacarezinho, favela contígua, e desenvolvemos uma série de projetos de empregabilidade, qualificação profissional na área da construção civil, uma padaria-escola que ensina o ofício de padeiro a rapazes que querem deixar o tráfico, a escola de música, com um prédio próprio. Passamos também a distribuir cestas básicas e funcionar como uma ouvidoria, ouvindo os clamores dos pobres e tornando-os públicos.

Só que, de alguns meses para cá, sofremos um baque que reduziu consideravelmente nossos projetos sociais. Antes da operação da Polícia Civil a partir da morte (no Jacarezinho, em 11 de agosto) de um policial da Core (Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais), nós já tínhamos sido metralhados seis vezes, num total de 200 tiros de fuzil e pistola. Então, decidimos tirar o projeto de música da comunidade e só tocar os projetos geridos pelos próprios moradores. Estávamos oferecendo um grande risco de morte para nossos voluntários e as crianças assistidas.

Agora, estamos diante de um mundo de dilemas porque um de nossos projetos está na via da comunidade e os confrontos ali são regulares. As casas ao redor estão todas metralhadas. isso nos deixa angustiados. Em razão da visibilidade das manifestações, muita gente nos procura se oferecendo como voluntário: médicos, dentistas, arquitetos, advogados, assistentes sociais, psicólogos. Temos a faca e o queijo na mão para criar um banco de horas com centenas e centenas de pessoas oferecendo serviço gratuito à comunidade, em um país no qual a favela inexiste para o poder público. Mas estamos de mãos atadas em razão desse cenário de guerra civil.

Hoje todo o projeto está paralisado?

Não. Temos dois prédios. Em nossa sede na Rua do Rio, funciona empregabilidade, padaria-escola, cursos de qualificação e a ouvidoria. A 400 metros dali, está o problema. O projeto de música está na linha do tiro, em uma das sete vias de acesso ao Jacarezinho. Estamos removendo ele da comunidade e o colocando no entorno. A ideia é alugar uma casa no entorno do Jacarezinho para tocar o projeto, tocado por músicos profissionais que oferecem o melhor da música brasileira para o morador da favela. Não vamos recuar. Mas vamos trabalhar com mais cautela. Já expusemos demais a nossa vida.

Semana passada, nunca vi a morte tão de perto em toda minha vida, durante uma operação. Meu desejo era conhecer a experiência do pobre no momento de confronto. Fui andando pelas ruas desertas, temendo o aparecimento de um caveirão, no início do tiroteio, sem me dar conta que também havia um helicóptero, que deu um rasante na rua onde eu estava e uma rajada de tiros de fuzil a cinco metros de mim. Alguns dias depois, dentro ainda desse confronto, vivi a experiência de ter um fuzil apontado para a minha cabeça a três metros de distância quando o caveirão entrou. Olhei para o cano do fuzil pensando se quem estava ali dentro com o dedo no gatilho sabia distinguir a minha vida da vida de um bandido.

Só que meu drama não se compara ao drama do pobre. Eu não moro lá. Quem mora vive um cenário de terror. É uma Síria latinoamericana encrustada no município do Rio de Janeiro a 20 minutos de Copacabana.

A violência no Rio de Janeiro tem se agravado nas últimas semanas e meses, ou é apenas a continuidade de uma situação antiga em um contexto de grave crise?

Não é apenas uma sensação de insegurança. Na soma das modalidades de mortes violentas, tivemos os primeiros sete meses do ano mais violentos dos últimos três anos, com aumento de autos de resistência (mortos em confrontos com a polícia), latrocínios,homicídios dolosos, policiais militares mortos. Estamos chegando à trágica marca de 100 policiais militares assassinados em 2017.

VEJA OS DADOS DE VIOLÊNCIA NO RIO NO PRIMEIRO SEMESTRE DO ANO:

MORTES VIOLENTAS CRESCEM NO RIO DE JANEIRO O Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro divulgou a sétima estatí…

Publicado por Rio de Paz em Quinta-feira, 24 de agosto de 2017

(fonte: Instituto de Segurança Pública)

Percebe-se um Estado acéfalo. Um poder público a partir de Brasília sem autonomia. A classe dominante, passando pelo presidente da República (Michel Temer) e governador do Rio de Janeiro (Luiz Fernando Pezão), mais preocupada em se defender dos crimes que lhe são imputados do que governar. Sendo que nosso governador passa por uma crise pessoal imensa em razão de problemas de saúde (luta contra o câncer). Isso se reflete na ponta. É muita gente morrendo. Inevitavelmente o problema se agravaria porque tivemos anos e anos do governo mais corrupto de que se tem notícia na história do Rio de Janeiro, a ponto de o ex-governador (Sérgio Cabral) estar preso. Imagina o que isso representou para a segurança pública.

Medidas que precisam ser implementadas mexem com interesses daqueles que lucram com a violência. A violência gera medo e medo estabelece uma demanda por segurança. Isso dá muito dinheiro. Mudanças vão mexer com interesse de gente que tem formação sobre membros do legislativo, do executivo.

Vivemos a grave crise de autonomia das autoridades. O problema da corrupção não é apenas o desvio de verbas públicas. São raras as figuras públicas do mundo político que têm condição de peitar aqueles que em razão dos seus interesses ignoram o interesse do todo da sociedade.

Como a ONG avalia a presença das forças armadas nos morros no combate à violência?

Alguma coisa precisava ser feita. Só quem não está dentro da favela para achar que uma medida isolada dá conta do problema. É algo tão grave, de tal magnitude, que demanda a união do governo federal, estadual e municipal, de todas as esferas de poder público. Também das universidades, dos movimentos sociais, meios de comunicação. Não vejo como vencermos esse conflito sem uma ampla conjugção de esforços, de maneira a sublimar nossas diferenças ao ponto que transcende barreiras ideológicas, que é o direito à vida. É a defesa do maior de todos os direitos.

Espero que a partir desse esforço, enfrentemos as questões de natureza estruturais. Não vamos ver o problema da letalidade resolvido, do Amazonas ao Rio Grande do Sul, se não rediscutirmos o problema da guerra às drogas, essa estupidez monumental, que só tem feito superlotar o sistema prisional sem nenhuma diminuição do consumo. Por que não pensamos mais em termo de prevenção do que repressão? Só vemos policiais e moradores de favelas morrerem.

Precisamos de uma ampla reforma da polícia, de uma polícia remunerada, valorizada, de ciclo completo, que faça o trabalho investigativo e o policiamento ostensivo. Hoje a Polícia Civil investiga e a Polícia Militar faz o trabalho ostensivo, mas elas não dialogam. Desconfiamuma da outra e a população no meio.

E a raiz do problema consiste na desigualdade social, no fosso entre ricos e pobres. Na necessidade de implementarmos políticas públicas nas comunidades pobres de nosso País, fazendo uma ocupação não apenas militar, mas a partir da chegada de professores, médicos, arquitetos, assistentes sociais, de maneira que essas pessoas tenham acesso a uma saúde pública decente, que as crianças passem a maior parte do tempo em sala de aula, com outras referências, sonhos e ideais. Investimento em saneamento, em áreas de lazer.

Mas esbarramos em questões de natureza cultural. Faz parte da cultura brasileira deixar para fazer amanhã o que deve ser feito hoje.

Outra característica é a mentalidade da “Casa Grande e senzala”. Essas pessoas carregam a economia do País nas costas, trabalhando seis vezes por semana, 8 a 10 horas por dia, gastando 4 horas diárias no trânsito, para receber o salário mínimo e voltarem para casa e pegarem seus barracos metralhados. O país, que é a sétima economia do mundo está entre os dez mais desiguais do planeta. Esse modelo de sociedade não tem como dar certo. Especialmente num contexto de guerra às drogas e ideologia do consumo. Os conflitos são inevitáveis.

Some-se a isso o colapso do sistema de justiça criminal, a superlotação dos presídios, o fato de 70% da massa carcerária ser composta por rapazes que cometeram crimes contra o patrimônio envolvidos com a dinâmica do tráfico de drogas, enquanto os homicidas não são presos. Mais de 90% dos homicídios do Brasil não têm a sua autoria elucidada.

Estamos lidando com um problema sistêmica e mente quem propõe uma solução isolada.

A atuação das forças armadas seria uma solução isolada?

Nesta semana no Jacarezinho, as forças armadas entraram e não houve um tiro nem confronto. eles entraram em casa de gente que trabalha conosco e não houve uma só reclamação de objeto furtado. Até onde tenho informação, respeitaram os moradores. Completamente diferente do que ocorreu na semana anterior, em que houve 10 dias de tiroteio incessante, com utilização de helicóptero.

Quando chega uma força acachapante que representa o Estado Brasileiro de forma, até onde obtivemos informações, educada, foi algo positivo.

Tomaz Silva/Agência Brasil

Forças armadas ocupam ruas do Rio de Janeiro no começo de agosto: tiroteios (Tomaz Silva/Agência Brasil)

Muitos não querem se queimar e emitir uma opinião como a que estou emitindo. Assumo esse ponto de vista. É nítido e notório que as nossas polícias não têm dado conta dessa realidade. E o bom policial não consegue trabalhar porque o envolvimento de certos setores de nossas polícias com o crime é escancarado. Os bons policiais vivem reclamando desse fatro, porque querem exercer sua profissão, mas são frequentemente traídos por seus companheiros se profissão.

A ONG Rio de Paz tem o slogan de que “direitos humanos não têm lado” e promove atos tanto contra a morte de policiais, como também de vítimas de ataques violentos da PM nas comunidades. Vocês sofrem críticas por esse posicionamento?

São críticas isoladas. Elas não são mais extensas ou agressivas pela justeza da causa. Como dizer que o cidadão brasileiro, a partir do momento que veste uma farda, se torna imune de violação de direitos? Quase 100 policiais militares assassinados e uma polícia pessimamente remunerada. O sonho da pacificação está sobre os ombros da polícia. Se a polícia erra é ao se dispor ao cumprir esse papel, que é inexequivel.

Mas precisamos entender a cabeça do defensor dos direitos humanos. Vemos o Estado como o grande Leviatã de (Thomas) Hobbes, que tem o poder de botar um filho nosso na prisão, de matar e nos acusar. os movimentos de direitos humanos tendem a nos proteger do “monstro”. E historicamente o que não faltam são exemplos de abuso de poder praticados por agentes do poder público: no stalinismo, no nazismo, na Itália de Mussolini…

Como os movimentos de direitos humanos veem historicamente o Estado como o grande perpetrador de violações de direitos e, ao identificarem as forças policiais como parte do aparelho do Estado, acabam perdendo de vista o fato de que aquele rapaz vestido com uma farda e distintivo no peito é um ser humano e está sofrendo violação de direitos escancaradamente.

A proposta do Rio de Paz é andar no fio da navalha. É fazer manifestação a favor do direito da polícia, trabalhando dentro da favela. Tem gente que diz que somos loucos. Mas não temos alternativas, pois entendemos que precisamos enfrentar toda uma cultura. Nosso país é um pais historicamente violento.

40% do tráfico de escravos do mundo veio ao Brasil. Fomos o último país a abolis a escravidão. Devastamos numa guerra estúpida o Paraguai. Temos 600 mil brasileiros vivendo em regime de campo de concentração no sistema prisional. 60 mil homicídios por ano e poucos setores da sociedade estão gritando contra esse morticínio que atinge especialmente os pobres e moradores de favela.

É necessário enfrentar essa cultura que, em parte em razão de pressupostos ideológicos, faz com que às vezes em nome dos direitos humanos, os direitos de muitos humanos sejam ignorados, entre os quais devemos incluir nossos policiais.

Por isso não vemos incompatibilidade nenhuma entre os ideais da declaração universal de direitos humanos e as placas que colocamos na Lagoa Rodrigo de Freitas em memória dos policiais militares assassinados.

Mitos atos de protesto da ONG ganham grande repercussão midiática nacional e internacional, como as cruzes no Congresso ou na areia de Copacabana, ou calcinhas espalhadas para denunciar a violência contra a mulher, etc. Como vocês enfrentam um possível paradoxo entre a necessária exposição de um caso para exigir políticas públicas e a eventual acusação, que também recai sobre a imprensa, de que estão usando a dor e o sofrimento alheio para ganhar Ibope e levantar bandeiras?

Me sinto à vontade para deliberadamente buscar ajuda nos meios de comunicação. Sem eles estamos perdidos. Pegamos o que está oculto na favela e tornamos público.

A imprensa é sustentáculo da democracia. Ela muitas vezes nos fornece a matéria-prima da manifestação, com os crimes que traz à lume e também nos dá voz quando vamos às ruas protestar contra esses mesmos crimes. A nossa gratidão é incalculável a cinegrafistas, fotógrafos, repórteres, jornalistas e redações. Nós não percebemos preconceito de nenhum meio de comunicação brasileiro. Todos nos dão voz. Já tivemos experiência de ver foto nossa (de manifestações da ONG) estampada na primeira página dos principais jornais do nosso País.

“Não tenho constrangimento em dizer que nós não fazemos manifestação para quem está na rua vendo. Nós fazemos manifestação para os meios de comunicação”

Agora, o preço está sendo pago. Nenhum de nós é candidato a cargo público, não temos vínculo político-partidário, não trabalhamos para nenhum político profissional. Nós não recebemos verba pública. Não tenho constrangimento em dizer que nós não fazemos manifestação para quem está na rua vendo. Nós fazemos manifestação para os meios de comunicação. E graças à imprensa brasileira, podemos semear uma cultura de respeito à vida humana e combater crimes gravíssimos que ocorrem na nossa nação.

PRINCÍPIOS E META DO RIO DE PAZReceber duas primeiras páginas de jornal antes da realização da manifestação pública…

Publicado por Rio de Paz em Quinta-feira, 27 de julho de 2017

Nós lançamos a campanha “Fora Renan” (Calheiros), e a campanha “Exigimos escolas e hospitais padrão Fifa” (na época da Copa do Mundo). Nós fomos às ruas perguntar “Cadê Amarildo?” (ajudante de pedreiro morto após ser detido em 2013), “Cadê Juan (Moraes)?” (menino de 11 anos morto em confronto em 2011), “Cadê Patricia Acioli? (juiza assassinada em 2011)”.

E há um preço pessoal incalculável. Não temos segurança nem policiais protegendo nossos filhos. Nossos carros não são blindados. Fazemos manifestação em Copacabana botando foto de policial (assassinado) para, no dia seguinte, subir o morro do Rio de Janeiro afim de prestar socorro a uma família que teve um parente vitimado em uma operação policial.

Tenho visto essa parceria (ONG-imprensa) como a maior riqueza de nosso movimento.

Dizer que estamos usando a desgraça para nos promovermos é uma iniquidade e um desrespeito a nossos voluntários que estão na ponta colocando sua vida em risco por conta do oprimido, daquele que grita e não é ouvido.

Não vejo nenhum problema moral em emitirmos, diante de uma morte ou grave violação de direito, emitirmos um aviso de pauta de que estamos indo para as ruas protestar contra um crime inaceitável atingindo a vida de um membro de família de uma passadeira.

Você chegou a sofrer alguma ameaça?

Muito insulto. E ameaça. Soubemos que teve, segundo os moradores, um dirigente dizendo que queria deliberadamente metralhar a nossa sede e não se sente satisfeito com o que nós estamos fazendo. Dirigente que deveria estar zelando pela nossa segurança.

Somos muito mal interpretados porque parece que você tem que ter um lado e ver a polícia como necessária inimiga da sociedade. Você tem que fazer uma opção pela polícia ou pelo pobre. E nós fizemos uma opção pela vida.

Somos contra matar, mandar matar, deixar matar. Temos horror à morte. E onde tiver gente matando, vamos estar gritando, onde estiver gente morrendo, vamos dar voz aos parentes da vítima.

Alguma cena mais marcante te impactou de modo especial nos últimos casos de violência que você acompanhou?

Já passei várias situações em que a morte esteve muito próxima, especialmente quando tenho que ir no meio da noite para a favela fazer mediação entre policial e morador de comunidade pobre. Quando começa o tiroteio você se sente um papel, muito vulnerável, tentando conter a multidão, dialogar com os policiais, temendo uma bala perdida. O ápice foi nesta semana quando me vi a três metros de um cano de um fuzil. E o do helicóptero. Entrei na sede (da Rio de Paz) e em poucos minutos o helicóptero deu um rasante e metralhou o exato local onde eu estava. Você tem filhos e fica pensando: qual a diferença entre coragem e temeridade? Qual é o risco que eu devo evitar por representar uma exposição desnecessária da minha vida? É uma linha tênue.

Se você entrar no Brasil real, sem mediação com quem quer que seja, você vai lidar com problemas éticos sobre os quais jamais pensou.

Estava ontem no Jacarezinho, quando me deparei com a cena desse menino carregando o corpo de um rapaz que havia acabado…

Publicado por Rio de Paz em Domingo, 20 de agosto de 2017

Quais problemas éticos?

Os dilemas. Quando olho para um policial morrendo, morro de pena. Esse governo foi reeleito duas vezes com o sangue da polícia. Como não vou me compadecer quando tomo consciência do fato que policiais se envolveram na morte de Patrícia Acioli, do menino Juan, que policiais fornceram armas para bandidos?

A mesma coisa no mundo do crime. O bandido que é capaz de cometer um crime abominável e cruel é o mesmo que no decurso de alguns meses pode ser encontrado numa igreja com sua vida completamente transformada, reintegrado à sociedade, disposto a trabalhar, cuidar de seus filhos e manifestando um arrependimento visível pelos crimes que ele praticou.

É um mundo em que você lida com pessoas para as quais há esperança e outras que não vão mudar nunca. Eu não me sinto no direito de dizer quem é quem. Ninguém tem esse dom de fazer uma leitura intuitiva do espírito humano. É fato que muitos não vão mudar de vida, como também é fato que pessoas hoje envolvidas com crimes bárbaros podem passar por profunda transformação social.

Não é fácil. Você não quer o bandido solto aterrorizando toda uma sociedade e botando ela de joelhos, e ao mesmo tempo você não quer execução extrajudicial, porque muitos deles podem ser recuperados. Conviver com isso no dia a dia é terrível.

Que políticas públicas são necessárias para se combater a violência no Rio de Janeiro a curto, médio e longo prazo?

Falta iniciativa. Essas respostas já foram dadas. Todos conhecem a solução. Falta vontade política. Falta pressão da sociedade. É escancarado que você tem que entrar com qualificação profissional na sociedade. Salta aos olhos de que pessoas precisam de emprego e que a maior parte dos pobres não quer viver numa eterna dependência do Estado, quer ser autor de sua própria vida. Tem que entrar com empregabilidade.

Salta aos olhos que você precisa de crianças em sala de aula em escolas com bibliotecas, quadras esportivas, de maneira que essas crianças entrem de manhã na escola e voltem para casa exaustas para no dia seguinte estarem novamente em um ambiente que lhes faça sonhar e ter outros valores.

Salta aos olhos o fato que você não pode ter metade das casas sem uma rede de esgoto. Que você não pode ter uma criança sem ter o que fazer por não dispor de uma área de lazer. Salta aos olhos os fatos que precisamos também de planejamento familiar, de resgatar valores relativizados por muitos, que precisamos de campanhas educativas no País.

Salta aos olhos que precisamos de transparência na gestão pública, de metas, cronogramas, do poder público prestando contas do que faz com o dinheiro público.

Nós temos as lições deixadas por outras nações. Por que a Holanda está fechando presídio e o Brasil está com déficit em seu sistema prisional? Por que a Coreia do Sul tem grandes empresas de tecnologia e o Brasil continua como exportador de commoditie? Foi investimento maciço em educação para uma geração de mentes brilhantes.

Faltam políticos com autonomia. Faltam partidos políticos também que abandonam o fisiologismo e apresentem propostas para a nação. Há uma carência brutal de estadistas, de sonhos, de projeto de nação e de autonomia política. Porque o sistema faz com que a pessoa, ao assumir um cargo público, esteja nas mãos de terceiros. Quantos não estão no grampo, sujeitos aos mais diferentes tipos de intimidação, capazes de abortar as melhores iniciativas em termos de implementação de política pública.

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.