“PCC contra todos” pode ter influenciado massacre e expõe sistema de alianças

  • Por Marina Ogawa/Jovem Pan
  • 03/01/2017 16h11
EFE Manaus

O show de horrores que o Brasil assistiu durante a rebelião no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, no Amazonas, é mais um capítulo de um “cabo de guerra” muito maior, protagonizado pelas duas maiores facções criminosas do País: o Primeiro Comando da Capital (PCC), com origem em São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), formado no Rio de Janeiro.

Massacres como o de Manaus exemplificam como funciona o sistema de alianças do crime organizado. Para uma facção combater a outra, há o investimento em “pactos”, de modo a impedir que a rival cresça mais e tenha maior domínio territorial.

Segundo o promotor de Justiça Lincol Gakiya, do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (GAECO) de Presidente Prudente, a briga é pelo controle do narcotráfico no País. “Existe um plano do PCC de se tornar hegemônico no País. Em 2008 a gente tinha em torno de dois mil integrantes do PCC fora do Estado de São Paulo. Hoje são mais de 20 mil”, explica.

Gakiya é autor da principal denúncia já apresentada à Justiça contra o Primeiro Comando da Capital, o promotor também é tido como um dos principais especialistas no grupo. Para ele, o PCC tem crescido em Estados em que nem se sabia o significado de sua sigla. “Chegou a um ponto que facções locais acabaram se unindo com o Comando Vermelho. E, pressentindo esse crescimento do PCC, ocorreu essa guerra”, explica.

No massacre de Manaus, a facção envolvida foi a Família do Norte (FDN). No entanto, existem outros milhares de grupos criminosos espalhados pelo Brasil. Em Santa Catarina, por exemplo, há o Primeiro Grupo Catarinense (PGC); em São Luís, no Maranhão, o Bonde dos 40, entre outros. “Algumas facções às vezes têm, no máximo, dois mil integrantes e se unem contra quem tem maior domínio e contra o inimigo comum, no caso, o PCC”, afirma Gakiya. “São facções próprias, mas dizem que ‘correm junto’ com outras facções. Eles correm juntos no sentido de impedir o PCC de crescer nestes Estados. O objetivo é, sem sombra de dúvida, territorial. O objetivo não é humanista, é única e somente disputa de domínio territorial do tráfico”.

Ou seja, essa disputa interferiu nesses Estados onde o Comando Vermelho tinha autonomia, o que levou a um rompimento da “harmonia” que existia com a facção paulista. “Historicamente essas duas facções eram co-irmãs e viviam em aparente harmonia. O problema se deu no Norte e Nordeste. Eles tinham autonomia e, como ocorreram mortes, não conseguiram voltar atrás. E a tendência é isso se intensificar”, acredita.

Em todo os País são cerca de 27 a 29 mil “batizados” do Primeiro Comando da Capital – 7 mil apenas no Estado de SP. Vale ressaltar, então, que é basicamente um “PCC contra todos e todos contra o PCC”. O promotor lembra que nem todas as facções são rivais, mas a única que não convive com outras é o Primeiro Comando da Capital.

Como resolver?

Mas existiria alguma solução para “acabar” ou ao menos conter a expansão do narcotráfico e, com isso, conter a violência por parte de tais organizações criminosas? Segundo o promotor de Justiça sim. “Acabar com as facções seria uma meta audaciosa, mas controlar teria uma série de medidas. Uma das maneiras de combater é sufocar financeiramente as fontes de recursos das organizações. Mas tem que ter um trabalho conjunto com o Governo federal. Também tem que ter em mente que esses indivíduos que estão presos e comandando organizações têm que ter algum tipo de punição diferenciada. Uma das alternativas seria aumentar o tempo de internação em RDD (Regime Disciplinar Diferenciado)”, explica.

Uma divisão dos detentos por nível de periculosidade também é uma das alternativas pensadas por Lincoln Gakiya – e reforçada pelo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, em entrevista exclusiva ao Jornal da Manhã nesta terça-feira (03).

“Isso seria o desejável. Inclusive é o que determina a legislação. Que presos sejam separados por tipos de crimes. O que ocorre é que a lei não é cumprida. Estados devem aplicar recursos não só na construção, mas na melhoria e capacitação do corpo funcional. Não adianta entregar unidade de primeiro mundo se o corpo funcional não está treinado. Precisa de um esforço conjunto. Imagine termos um preso por cela. Emergencialmente é preciso separar facções. Vai ter que se pensar em logística para fazer essas transferências, mas creio que é possível. Em São Paulo já são separados”, avalia.

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