Beltrame: ‘A UPP fez sua parte; para onde foi a verba de assistência social?’

  • Por Estadão Conteúdo
  • 25/05/2016 09h41
18/12/2008 - ESPECIAL - Entrevista com o Secretário de Segurança do Estado José Mariano Beltrame em seu gabinete na secretaria. Foto Ernesto Carriço / Ag O Dia / POLÍCIA Reprodução José Mariano Beltrame

O secretário de Estado de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, criticou o governo do estado pela falta de programas sociais em apoio à atuação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Titular da pasta desde 2007, as queixas somam-se à frustração pelos cortes orçamentários, que interromperam a expansão da polícia pacificadora. Em entrevista, ele chega a perguntar “para onde foi o dinheiro da assistência social?”. 

Beltrame já não nega que deixará o cargo após a Olimpíada. Na última terça-feira (24), na Assembleia Legislativa fluminense, em sessão da CPI dos Autos de Resistência, não escondeu o desgaste. “Tenho motivos de sobra para estar desanimado. Há dois anos que não se governa neste País. Só se ofende e se defende.” O abatimento do secretário tem mais uma razão: só neste ano, 40 policiais foram assassinados. Para ele, as mortes têm nova cara: os policiais estão sendo emboscados.

O que falhou nas UPPs?

As pessoas insistem que a UPP não deu certo. Só não deu certo se você tiver como parâmetro o crime zero, o tiro zero. Isso não vai acontecer porque o Rio é uma cidade violenta, os jovens são criados com arma de fogo, vivem em torno disso. Não tenha dúvida de que a falta de programas sociais está inserida na consequência dos problemas. Fizemos um trabalho no Morro da Providência em que 16 pessoas foram presas ou neutralizadas. A Providência está estabilizada, ainda que as pessoas estejam traumatizadas pelas operações recentes. Agora era o momento de agir, de procurar os jovens, as famílias, de fazer alguma coisa. Porque tenho certeza de que, em cinco, seis meses, nós vamos ter de ir lá de novo. O que venho diuturnamente pregando no deserto é que não venham mais falar da polícia, pois nós estamos fazendo nosso trabalho. E não cobrem das forças de segurança colocar na cabeça de um jovem que não opte pelo crime. Gostaria que tivessem outras CPIs para dizer para onde foi o dinheiro da assistência social. Você abre os dados do Instituto de Segurança Pública. E as questões sociais: quantos gastaram, quantos jovens recuperaram? 

Não houve erro, então?

Não tenho a pretensão de dizer que não houve falhas, mas as pessoas generalizam. Vou dar um exemplo: o 16º Batalhão, que pega as áreas da Penha e do Alemão (zona norte), dava 14 mil tiros por ano. Hoje, não dá nem 3 mil. São ganhos subjetivos, intangíveis de que não se fala. Sabe o que são 14 mil tiros? Poderiam ser 14 mil mortes. Temos uma conta de que a UPP já salvou quase 10 mil vidas. (…) Muitas vezes, por questões financeiras, o programa não pôde se expandir. Há uma frustração por todo o planejamento que fizemos e temos de deixar de lado, focar no custeio. Todos os dias amanhecem mensagens na minha mesa por pedidos de UPP no Chapadão e na Pedreira, em Costa Barros, em Itaguaí. Então não venham dizer que não deu certo.

Neste ano já houve a morte de 40 policiais, 11 em serviço… 

Em área que tem UPP, por mais dificuldade que se tenha, o policial consegue entrar sem aquela troca de tiros de contenção. O policial, hoje, não está morrendo em confronto. Está morrendo em tocaia, está morrendo por emboscada. (…) Esses caras (os bandidos) não vêm mais para o confronto. Eles se aproveitam do desordenamento urbano, das frestas nas lajes, para, em uma situação privilegiada, poder fazer o oficial de alvo, mas a grande maioria dessas mortes é de PMs de folga. O número é quatro vezes maior (do que os que morrem em serviço). São óbitos que acontecem da noite de sexta até madrugada de segunda. Ele morre, às vezes, por ser reconhecido como PM, mas também em brigas de festas e bares.

O recrudescimento da violência contra policiais acontece a despeito da lei federal que tornou esse crime hediondo.

A lei penal não tem mais respeito nenhum da população. As pessoas dão tiro pelas costas, no carro, cometem toda a ordem de crimes sem pensar na possibilidade de vir a lei e puni-las. Aqui, no Rio, teve o filho de uma artista (Cissa Guimarães) morto num pega (racha). O pai do rapaz subornou os policiais e pegou pena alternativa. O menino pegou pena diminuída. Não que o queira deixar encarcerado, só que isso é um exemplo muito ruim para a sociedade. Faço a seguinte reflexão: tirando a dor dessa família, quem levou a pior de tudo isso? Os dois policiais que foram para a rua, pois quem matou e quem subornou cumpre pena abrandada. O oficial não matou ninguém, mas a lei administrativa previa a expulsão. Isso tem de ser discutido. O caráter exemplar da pena se perdeu. Vou dizer isso ao ministro da Justiça, Alexandre de Moraes.

Os senhores vão se encontrar?

Teremos uma reunião no próximo dia 31. Vou dizer a ele que nós, como secretários, temos de organizar, planejar, buscar recursos para as polícias, é nossa obrigação. Mas existem aspectos externos a isso que têm influência muito grande sobre a operação das polícias. Na Rocinha, por exemplo, houve troca de tiros complicada na última sexta-feira (20), porque tivemos informação muito privilegiada sobre a posição da pessoa que está substituindo o traficante Nem, um tal de Rogério 157. Ele protagonizou aquelas cenas que o mundo inteiro viu, em um domingo de manhã, na qual fez reféns dentro de um hotel. Ele foi preso em 2010 e, no início de 2012, estava solto. Agora está na Rocinha, cometendo toda a ordem de barbaridade e a polícia tem de fazer, de novo, um trabalho que já fez.

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