Vítima de estupro coletivo não recebeu ajuda do governo e feministas pagam psiquiatra, diz advogada

  • Por Jovem Pan
  • 28/05/2016 15h31
BRA02. RÍO DE JANEIRO (BRASIL), 27/05/2016.- Una mujer participa en una manifestación contra la violación de una adolescente por más de 30 hombres, hoy, viernes 27 de mayo de 2016, frente a la Asamblea Legislativa de Río de Janeiro (Brasil). La violación de una adolescente por más de 30 hombres en una favela de Río de Janeiro ha consternado a Brasil y ha provocado una cadena de condenas en las redes sociales, entre ellas la de Dilma Rousseff, la presidenta suspendida temporalmente del cargo, y del propio Gobierno interino. EFE/Antonio Lacerda EFE/Antonio Lacerda Mulheres protestam contra a "cultura do estupro" em frente à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro

A vítima de estupro coletivo no Rio de Janeiro não recebeu até agora ajuda de nenhuma instância governamental, acusa a advogada Eloísa Samy Santiago em entrevista exclusiva à Jovem Pan neste sábado (28).

“Não recebi contato de nenhuma autoridade de governo estadual ou federal oferecendo ajuda. Só apareceram duas conselheiras tutelares ontem (sexta) na delegacia”, diz. De acordo com a defensora, todo auxílio que a jovem de 16 tem obtido vem de iniciativa privada. “Tudo que está sendo feito está sendo realizado por iniciativa particular de feministas, inclusive o psiquiatra que nós já conseguimos”, relata.

A advogada também vê com desconfiança medida anunciada pelo presidente em exercício Michel Temer, a criação de um “departamento na Polícia Federal” para combater crimes contra a mulher. “A criação de mais uma delegacia não se justifica se não houver a efetividade da prática. Essas delegacias não conseguem funcionar”, avalia Samy. “Você tem a delegacia de atendimento à mulher em que as mulheres não vão denunciar os crimes porque a polícia não apura”, comparou. “Para mim (o ato de Temer) é inócuo”, opinou.

“Há indícios”

Samy também criticou o fato de Raí de Souza, de 22 anos, e Lucas Perdomo Duarte Santos, de 20 anos, que se apresentaram à delgacia para depor, não terem ficado preso. Raí confessou ter divulgado na internet vídeo da jovem nua. Lucas, que seria o “ficante” (namorado) da moça, negou o estupro e disse que não teve relações sexuais com a vítima na noite do evento. Na visão da advogada, a explicação para Lucas não ter permanecido detido após o depoimento espontâneo é “o machismo”.

“Na minha opinião existem indícios suficientes de materialidade e autoria de crime que justifiquem prisões, sim”, diz a advogada da vítima. “Os dois responsáveis pelas postagens nas redes sociais desse vídeo, mesmo dizendo que não participaram do estupro, o que também deve ser apurado, mas confessaram que fizeram a divulgação desses vídeos. Só isso já é crime”, postula.

Afastamento e “criminalização da vítima”

Samy anunciou também que fará uma representação formal pedindo o afastamento de Alessandro Thiers, titular da Delegacia de Repressão a Crimes de Informática, que também apura o caso, ao lado do DECADE e da Delegacia de Atendimento à Mulher. A advogada pediu o acompanhamento de comissões da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e o apoio da corregedoria da polícia para fazer a representação formal contra o delegado “em razão da linha de interrogatório adotada por ele durante o depoimento da vítima”.

Segundo a defensora da vítima, Thiers “estava culpabilizando e criminalizando a vítima”. “Uma das perguntas que ele fez ontem, (com) que eu fiquei absolutamente estarrecida e indignada, foi se a moça tinha por hábito fazer sexo em grupo. Isso para uma vítima de estupro coletivo”, disse. Samy, em seguida, encerrou o depoimento da menor de idade. Mas o delegado teria insistido em perguntas impróprias. “Ele ainda perguntou à menor se ela teria sido cooptada pelo tráfico para trabalhar para eles”, relata.

Thiers fala sobre caso de estupro coletivo sofrido por jovem de 16 anos nesta sexta (27) (Tomaz Silva/Agência Brasil)

“É a posição de um delegado de polícia responsável pela investigação por estupro, de um caso que tem repercussão internacional, criminalizando a vítima”, indigna-se a advogada. “O que a vida dela interessa na apuração de um crime de estupro?”, questiona. “Se o comportamento dela não é adequado conforme espera a sociedade, então ela é responsável pelo próprio estupro?”

Ainda de acordo com a defensora, “durante todo o depoimento dela houve constrangimento”. Esse foi o segundo depoimento prestado pela menor. Na primeira vez, de acordo com Samy, “não houve problema nenhum”.

A jovem prestou um segundo depoimento à polícia nesta sexta (27) à noite. Após meia hora de relato, começou a chorar e a se dizer envergonhada, o que levou a polícia a interromper os trabalhos

Além de Thiers, participaram do interrogatório a delegada Cristiana Bento, da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítima (DCAV), e um inspetor de polícia da DRCI, que é psicólogo. Apenas Thiers teria tido um comportamento inadequado, de acordo com a advogada.

Procurada pelo Estadão Conteúdo, a Polícia Civil ainda não se manifestou sobre o caso.

Primeiro depoimento

No primeiro depoimento, ainda na madrugada de quinta (26), a adolescente contou que foi visitar o namorado no sábado (21) no morro da Barão, na Praça Seca, zona oeste carioca, e só se lembra de ter acordado no dia seguinte, “dopada e nua”, em uma casa desconhecida e cercada por 33 agressores, armados de fuzis. Só soube na terça-feira (24) que um vídeo com imagens suas após o estupro circulava nas redes sociais e em sites de relacionamento.

Entrevista e indícios

Foi a divulgação do vídeo que despertou a atenção das autoridades e que levou à distribuição do caso para a Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI).

Na sexta à tarde, os delegados Alessandro Thiers e Cristiana Bento concederam entrevista coletiva à imprensa ao lado do chefe da Polícia Civil, Fernando Veloso. Durante a entrevista, o caso chegou a ser tratado pelos delegados como “suposto estupro”, e Thiers declarou que a polícia havia diversas linhas de investigação, inclusive para verificar “se houve ou não estupro”. O chefe de Polícia esclareceu depois que a polícia trabalha com indícios.

“Há indícios veementes de que houve estupro, mas não podemos afirmar ainda se houve ou não, ou de que forma houve. Não podemos nos basear no ‘ouvi dizer’. Só o exame de corpo de delito vai apontar se houve estupro ou não. O laudo pode trazer uma certeza ou uma dúvida. Pode demandar outra diligência para sanar uma dúvida que surge no próprio laudo”, disse Veloso.

Apesar de, até ontem, quatro suspeitos terem sido identificados, a polícia não pediu a prisão de nenhum deles. Na noite desta sexta (27), o secretário estadual de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, justificou que faltava um “detalhe jurídico”. 

Neste sábado (28), porém, a polícia fez uma mega operação no mrrro do Barão com 70 homens, veículo blindado e helicóptero e prendeu um suspeito do crime.

Com entrevista exclusiva dos repórteres Jovem Pan Paulo Pontes, Anderson Costa e Tiago Muniz (ouça no áudio do começo do texto)

Com informações complementares do Estadão Conteúdo

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