Haddad autoriza cobertores, mas decreta retirada de camas de moradores de rua

  • Por Thiago Navarro/ Jovem Pan
  • 18/06/2016 13h10
Foto: NILTON FUKUDA/ESTADÃO CONTEÚDO Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo Morador de rua é visto sob o Elevado Presidente Costa e Silva, conhecido como Minhocão, em São Paulo, nesta terça-feira. Após o dia mais frio registrado na capital paulista em 22 anos, com 3,5°C de temperatura mínima, moradores de rua reclamaram de ter colchões e papelões, usados como proteção, levados por agentes da Guarda Civil Metropolitana. A GCM admitiu a retirada de itens, mas afirmou que deixa objetos pessoais e a ação é para evitar que a população de rua "privatize" espaços públicos, como calçadas. (2016)

O prefeito de São Paulo Fernando Haddad publicou neste sábado (18) no Diário Oficial decreto regulamentando a atuação da Guarda Civil Metropolitana (GCM) em relação aos moradores de rua da capital.

Após polêmica semana, com dias de frio recorde, em que os guardas foram acusados de retirarem cobertores e outros objetos pessoais dessa população, ficou descrito oficialmente o que a Prefeitura pode ou não recolher dos paulistanos que vivem nas ruas.

Pelo menos cinco pessoas morreram nas ruas da cidade nas últimas duas semanas por problemas de saúde agravados pelo frio, de acordo com a Pastoral do Povo da Rua, da Arquidiocese de São Paulo.

SAIBA COMO AJUDAR OS MORADORES DE RUA EM SÃO PAULO

Travesseiros, colchões e papelões tiveram a retirada proibida, enquanto a extração de camas, sofás e barracas está permitida.

O texto regulamenta: “excepcionalmente, poderão ser recolhidos objetos que caracterizem estabelecimento permanente em local público, principalmente quando atrapalharem a livre circulação de pedestres e veículos, tais como camas, sofás e barracas montadas durante o dia, desde que não sejam removidos pelo possuidor ou proprietário”.

Por outro lado, ficou proibida a “subtração, inutilização, destruição ou a apreensão” de bens pessoais dos paulistanos de rua, como documentos, cartões, sacolas, remédios, livros, malas, roupas, sapatos, cadeiras de roda e muletas, carroças, instrumentos musicais, papelões, colchões, colchonetes, cobertores, mantas, travesseiros, lençóis e barracas desmontáveis”.

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Vagas e tendas

De acordo com censo de 2015, há quase 16 mil moradores de rua em São Paulo e, segundo a Prefeitura, apenas 10 mil vagas para dormir em 79 albergues. No frio, mais 14 acolhimentos emergenciais com outras 1.100 vagas foram disponibilizadas.

Apesar da alta demanda, alguns albergues não têm ocupação máxima. Distância do centro (onde a maioria dos moradores de rua se encontra), impossibilidade para abrigar cachorros e pertences pessoais e de trabalho, como carroças, e divisão de famílias são algumas das alegações dos moradores para recusarem o acolhimento oficial.

Os mais afetados pelo frio acusam a GCM de retirarem seus pertences pessoais, como carroças e panelas, e não devolverem. Relembre em reportagem sobre o assunto de Carolina Ercolin:

Durante o anúncio do decreto, Haddad chegou a dizer que a ação da guarda era para “impedir a refavelização” dos logradouros paulistanos.

A prefeitura decidiu instalar quatro grandes tendas emergenciais na região central da cidade e na Moca, com 250 vagas cada (mil no total). “A tentativa dessas tendas é fazer um espaço mais aberto onde as pessoas se sintam mais à vontade para entrar por conta própria, virem e se protegerem do frio. A ideia é ser um espaço temporário, transitório, onde as pessoas se sintam mais à vontade para vir”, disse a secretária de Assistência Social, Luciana Temer.

Outras recomendações

Segundo a nota oficial deste sábado, os moradores de rua que tiverem bens apreendidos deverão ser informados a respeito do que pode ou não ser recolhido e sobre como reaver o bem apreendido (em até 30 dias, de graça). O decreto estabelece que o morador de rua seja informado do endereço de restituição de seus bens e ganhe uma “notificação ou contra-lacre” após a apreensão. Esta medida é a única, no entando, que só entra em vigor em 30 dias (a partir de 17 de julho). As outras ordens já estão valendo.

Os moradores de rua também deverão ser orientados e incentivados a buscar os serviços sociais da Prefeitura.

Haddad pede que as ações de limpeza devem ocorrer “preferencialmente” nos dias úteis, segunda a sexta, das 7h às 18h. Medidas fora do horário acertado terão de ser justificadas.

O texto exige que as Subprefeituras informem, “de maneira prévia, pública e periódica, os dias, horários e locais” em que devem ser realizadas a limpeza e manutenção das ruas e calçadas. Deverão ser notificadas também “todas as equipes de abordagem socioassistenciais e de saúde atuantes nas regiões onde ocorrerão as ações de zeladoria”.

(Rovena Rosa/Agência Brasil)

As equipes da Guarda Civil Metropolitana (GCM), que realizam a “zeladoria”, ficam proibidas de desrespeitar ou ofender a dignidade do morador de rua, bem como removê-lo compulsoriamente da via ou impedir seu retorno após a limpeza das calçadas.

Na hipótese de resistência ou recusa por parte da pessoa em situação de rua à realização da ação, o diálogo será adotado como primeira e principal forma de solução de conflitos, não sendo admitidas, em hipótese alguma, atitudes coercitivas que violem a sua integridade física e moral”, diz Haddad.

Se a pessoa estiver com problema de saúde, “o servidor responsável deverá acionar diretamente os serviços socioassistenciais e de saúde e as respectivas redes de proteção para que realizem a abordagem adequada”.

Monitoramento

Ficou estabelecido também a criação do “Grupo de Monitoramento dos Procedimentos e Ações de Zeladoria Urbana”. Composto de membros de quatro secretarias (Assistência Social, Segurança Urbana, Saúde e Coordenação), além de membros da Defensoria e do Ministério Público do Estado, ele deverá monitorar as ações acima propostas, denunciar desvios de conduta e dar sugestões.

Conflito

O decreto afirma também que as ações de zeladoria obedecerão ao princípio da “proteção de direitos e bens de todas as pessoas, em especial aquelas que estão em situação de rua, garantindo-lhes o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à posse e à propriedade”. Ainda está ordenado o “diálogo e mediação como forma de solução de conflitos”.

O respeito ao direito de posse foi bastante questionado na última semana quando policiais da Guarda Civil foram acusados de recolherem cobertores, papelões e outros objetos pessoais, durante a semana em que a capital paulista resgistrou recorde negativo de temperatura, que chegou próxima do 0ºC em algumas regiões, de madrugada.

Morador de rua encontrado morto no Bom Retiro na última terça (14) (Edison Temoteo/Estadão Conteúdo)

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