Membros do PCC ficaram com parte de indenização em obra do Rodoanel, apura MP

  • Por Estadão Conteúdo
  • 24/05/2016 08h48
Daniel Guimarães/Divulgação Governo do Estado Obras do Trecho Sul do Rodoanel Mário Covas (08/07/2009)

O Ministério Público Estadual (MPE) investiga a denúncia de que a empresa Desenvolvimento Rodoviário S/A (Dersa), do governo paulista, pagou indenizações a criminosos ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC) no programa de reassentamento das obras do Trecho Sul do Rodoanel e do prolongamento da Avenida Jacu-Pêssego, na Grande São Paulo. Ambas foram entregues em 2010, nos governos José Serra e Alberto Goldman (PSDB), ao custo de R$ 7 bilhões.

Os promotores já identificaram pelo menos dez pessoas indenizadas pela Dersa na cidade de Mauá e na zona leste de São Paulo que têm passagens pela polícia por roubo, furto e tráfico de drogas. A investigação teve origem nos depoimentos de uma ex-funcionária da Dersa chamada Mércia Ferreira Gomes, que trabalhava à época em um consórcio contratado para executar o programa de reassentamento e fechou acordo de delação premiada com o MPE. As indenizações custaram mais de R$ 100 milhões e beneficiaram cerca de 40 mil pessoas.

Segundo Mércia, no processo do Rodoanel, “a bandidagem que domina a área começou a fazer ameaças e, para possibilitar que o pessoal da empresa contratada pela Dersa fizesse seus trabalhos, se deveria pagar algum valor para a criminalidade”. Ainda de acordo ela, se o valor não fosse pago, funcionários sofreriam “represálias”, como ficar trancados na sala do plantão social. “Diante de tanta solicitação nesse sentido, o dinheiro acabou”, disse.

A ex-funcionária relatou que os pagamentos eram feitos em dinheiro e “a maioria dos bandidos recebia valores na Dersa e comparecia armada”. Segundo Mércia, muitos pegavam o dinheiro e saíam sem assinar nenhum recibo. Os pagamentos ocorreram entre agosto e outubro de 2009 e seriam indicados por uma pessoa chamada Hamilton Clemente Alves, que, segundo testemunhas, se apresentava como assessor do ex-deputado estadual Adriano Diogo (PT), que nega o fato.

À época, Alves participou de audiência pública sobre o caso na Assembleia Legislativa como presidente do Movimento em Defesa das Famílias do Traçado Jacu-Pêssego. Entre 2013 e 2015, ele trabalhou como assessor do ex-vereador Alessandro Guedes (PT) e foi exonerado há dois meses de cargo na Subprefeitura de Cidade Tiradentes na gestão Fernando Haddad (PT). Alves também está sob investigação e deve ser chamado a depor pela Promotoria.

De acordo com Mércia, as indenizações variavam de R$ 1,6 mil a R$ 250 mil e chegaram a ser pagas até três vezes a uma mesma pessoa que invadiu diferentes áreas que seriam desapropriadas. Segundo ela, os pagamentos foram autorizados pelo ex-diretor de Engenharia da Dersa Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, que também nega o fato. As informações foram prestadas ao MPE em abril de 2015 e ratificadas em recente delação premida, ainda não homologada pela Justiça.

“Um dos indícios que temos é de que o dinheiro era encaminhado para pessoas ligadas ao crime organizado. As pessoas que trabalhavam e foram indicadas por Mércia, em depoimento, serão chamadas para prestar esclarecimentos”, disse o promotor Cássio Conserino.

Também em depoimento ao MPE em 2015, o ex-chefe do Departamento de Assentamento da Dersa Geraldo Casas Vilela disse que a empresa recebeu uma carta atribuída ao PCC com ameaças, caso as remoções das famílias prosseguissem. Segundo ele, “diversas foram as dificuldades encontradas nesses processos de pagamento, sobretudo porque as áreas geralmente eram dominadas por pessoas ligadas a atividades criminosas”.

Desvios

Mércia é investigada por ter incluído ilegalmente 16 pessoas ligadas a ela no cadastro de reassentamento das obras e desviado R$ 813 mil de indenizações. Ao MPE, no dia 9 deste mês, ela disse que fez isso a mando de Vilela e de Paulo Preto, para pagar pessoas que moravam na favela e não tinham documentos para o cadastro. Ambos negam as acusações. Segundo Mércia, nenhum parente seu ficou com o dinheiro.

Na semana passada, os três e uma filha de Paulo Preto foram denunciados à Justiça por incluir ilegalmente o nome de seis pessoas ligadas ao ex-diretor na lista de indenizados com apartamentos da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), no valor de R$ 374 mil. Na lista estão babás, empregadas e funcionário que trabalhava para a família dele, que nega irregularidades.

Sindicância

Responsável pela construção do Trecho Sul do Rodoanel e do prolongamento da Avenida Jacu-Pêssego, a Dersa informou, em nota, que “apurou e forneceu” ao Ministério Público Estadual (MPE) “um vasto conjunto de provas que embasou a denúncia já apresentada pela Promotoria de Justiça Criminal” contra o ex-diretor da empresa Paulo Vieira de Souza, uma filha dele, e outros dois ex-funcionários por pagamentos indevidos de indenização.

“O rigoroso trabalho de auditoria interna tem possibilitado que o Ministério Público identifique, com precisão, os beneficiados pela fraude e responsáveis pela aprovação dos pagamentos indevidos realizados em 2009 e 2010. Nenhum dos funcionários apontados pelo MP integra mais o quadro de funcionários da empresa”, informou a Dersa.

Uma auditoria interna ainda analisa se houve mais irregularidades em cerca de 3 mil processos envolvendo o reassentamento de famílias nas duas obras, concluídas em 2010, incluindo pessoas ligadas ao crime organizado. “Desde 2011, a Dersa alterou o procedimento de cadastro de beneficiados e pagamento das indenizações, com o objetivo de evitar fraudes no seu programa de reassentamento”, completa a estatal.

Defesa

As apurações internas resultaram na demissão de Mércia Ferreira Gomes, em julho de 2015, responsável por coordenar o programa e acusada de fazer pagamentos indevidos para 16 pessoas ligadas a ela e a outras 6 vinculadas a Souza. “A família dela nunca assinou nenhum recibo, nunca recebeu nenhum numerário. Ela emprestou os nomes para que outras pessoas pudessem receber as indenizações, com a intenção de resolver o problema da Dersa e não de lesar a empresa”, disse Regiane Braga, advogada de Mércia

Segundo a defesa, a ex-funcionária está colaborando com as investigações por meio de delação premiada e reitera que fez a inclusão de parentes e conhecidos por “ordens superiores”, no caso, de Souza, ex-diretor de Engenharia, e do ex-chefe do departamento de assentamento da Dersa, Geraldo Casas Vilela.

Souza disse à reportagem que não era o responsável pelas indenizações e não ordenou nenhum pagamento para pessoas do seu vínculo ou ligadas ao crime organizado. “Essa denúncia não se sustenta. Ela (Mércia) não tem nenhuma prova, nenhuma ligação, e-mail ou carta com minha assinatura mandando dar dinheiro para bandido ou para quem quer que seja. “Se ela, que era responsável pelo setor, deu dinheiro para bandido, não sei dizer. Imagino que no eixo de uma obra desse porte tenha de tudo: gente honesta e bandido”, disse.

O advogado Fernando Araneo, que defende Vilela, disse não ter conhecimento de pagamentos feitos ao PCC e afirmou que o ex-funcionário da Dersa, que se demitiu na semana passada, “não tinha poder para pagar ou mandar pagar indenizações e não tem nenhum parente beneficiado pelas indenizações de reassentamento”

Valor

O ex-deputado estadual Adriano Diogo (PT) disse que Hamilton Clemente Alves não era seu assessor e apenas foi à Dersa para defender que a estatal pagasse valor justo às famílias desapropriadas.

“Tenho absoluta tranquilidade em relação a isso. Hamilton é uma pessoa honesta e pobre. Estão querendo envolver o PT em um esquema tucano”, disse. Alves não foi localizado pela reportagem.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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