Chade se torna refém do conflito nigeriano

  • Por Agencia EFE
  • 18/04/2015 11h11

Xavi Fernández de Castro.

Baga Sola (Chade), 18 abr (EFE).- “O Chade é refém do conflito nigeriano”, resumiu à Agência Efe com certo ressentimento o subprefeito de Baga Sola, a última grande cidade chadiana junta ao lago cruzado por milhares de refugiados nos últimos meses, quando o país viu o conflito da Nigéria com Boko Haram adentrar suas fronteiras.

Primeiro foram os milhares de nigerianos que chegaram à outra margem do lago do Chade, fugindo da onda de violência do grupo islamita nos arredores da cidade nigeriana de Baga, onde no início de janeiro mataram centenas de pessoas, e depois chegariam os ataques.

Em Ngouboua, a primeira aldeia chadiana atacada pelo Boko Haram, em 13 de fevereiro, em um ataque que deixou nove mortos, ainda é possível ver dúzias de edifícios semidestruídos e cobertos de fuligem na margem do lago.

“Um grupo de milicianos de Boko Haram chegou de madrugada em várias canoas e atacou o acampamento militar próximo dali. Ao ver que havia muita resistência, decidiram ir à cidade e incendiaram vários edifícios”, explicou à Agência Efe o delegado de polícia de Ngouboua, Idriss Ibrahim.

O ataque a Ngouboua, seguido por outros três de menor escala, representou uma mudança na percepção que as autoridades e o povo do Chade tinham do conflito no nordeste da Nigéria.

Nesse momento, o Chade se preparava para começar uma operação em grande escala em território nigeriano em coordenação com Nigéria, Camarões e Níger, mas não previa uma deterioração tão repentina da situação em seu lado da fronteira.

“Depois do ataque a Ngouboua, cerca de duas mil chadianos fugiram da região do lago e se refugiaram em Baga Sola, no interior. A maioria vive em casas de gente local, e depende totalmente delas para sobreviver”, assinalou o subprefeito de Baga Sola, Dimouya Souapebe.

Antes do ataque, um campo de refugiados que havia em Ngouboua já tinha sido transferido para seu lugar atual, perto de Baga Sola, aumentando de forma exponencial a pressão demográfica nesta aldeia-chave para o comércio entre o oeste do Chade e as outras regiões que vivem do outro lado do lago.

“As fronteiras com o resto dos países estão fechadas e há uma escassez de alimentos básicos que, se não for solucionada em breve, criará um problema humanitário muito grave. Não há comércio e os preços de produtos como arroz, farinha e milho subiram entre 25% e 40%”, advertiu Souapebe.

Um saco de arroz de 50 quilos costumava custar 21 mil francos (US$ 34) e agora custa 26 mil (US$ 42), enquanto um saco de milho passou de 15 mil francos par mais de 21 mil.

A insegurança na região do lago também acabou com a agricultura, já que os camponeses vivem com temor de cultivar as férteis terras das margens por receio de o Boko Haram atacar outra vez. Os poucos que decidiram ficar ainda passam as noites escondidos na floresta como medida de precaução.

Em Baga Sola a situação não é muito melhor. Os dois mil chadianos que fugiram do lago tecnicamente não são refugiados, e por isso não recebem nenhum tipo de ajuda humanitária, e acabam tendo que contar com a boa vontade de seus anfitriões para sobreviver.

Batouma Muhammad tem 35 anos e sete filhos, criados somente por ela desde que seu marido morreu, há oito anos. Agora, além de alimentar uma família numerosa, também cuida de outras 15 pessoas que chegaram há mais de um mês fugindo de Ngouboua.

“Faço o que posso para alimentar todos, mas nem o governo nem as ONGs me ajudaram a mantê-los. Antes comíamos três vezes ao dia, mas já não nos resta quase nada e agora só comemos duas”, lamentou Batoume, que pela primeira vez recebeu alguma ajuda, da Cruz Vermelha do Chade: um saco de sorgo e uma vasilha de óleo.

Suas possibilidades são poucas: ou continua como está e alimenta 15 pessoas até chegar ao risco de pôr em perigo o futuro de seus filhos, ou retira os fugitivos de sua casa e os deixa à própria sorte, o que, explicou, não pode nem quer fazer.

Batouma, como o Chade, é uma refém do conflito contra o Boko Haram. EFE

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