Nova realidade da maconha nos EUA vai de encontro a tratados da ONU

  • Por Agencia EFE
  • 21/10/2014 10h37

Beatriz Pascual Macías.

Washington, 21 out (EFE).- A nova regulamentação que rege o consumo da maconha nos Estados Unidos, permitindo o uso recreativo nos estados de Washington e Colorado, contraria a vigência de tratados elaborados pela ONU e assinados pelo país.

“Flexibilidade” foi a palavra mais repetida por diferentes acadêmicos no seminário “Impactos Internacionais dos Estados Unidos pela legalização da maconha”, organizado nesta semana em Washington pelo Escritório de Assuntos Latino-americanos (WOLA) e pelo centro Brookings Institution.

“O Império Britânico foi precursor desta prática, quando, antes de decretar sua proibição, comercializava ópio. Os países mudam, as políticas mudam e agora os tratados também devem mudar”, declarou Sandeep Chawla, que, por 20 anos, foi diretor do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crimes (UNODC).

Os Estados Unidos deixaram de ser os “campeões” na guerra contra as drogas, que “obrigava” muitos países a criminalizar o uso da maconha, para se tornar um dos fomentadores do “movimento de mudança da política contra as drogas”, de acordo com o especialista.

“Antiquados” e “obsoletos” foram os adjetivos usados por Chawla e outros acadêmicos ao descrever as três Convenções das Nações Unidas sobre drogas. São essas: a Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961, que foi alterada por um Protocolo de Emenda à Convenção Única e por fim foi elaborada a Convenção das Nações Unidas de 1988 contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, que permanece em vigência.

Na opinião do especialista em Segurança Nacional do Instituto Brookings, Wells Bennett, “uma reforma das Convenções deve de estar sobre a mesa”.

Desde 1988, quando a última Convenção entrou em vigor, algumas exceções foram aceitas, como o uso medicinal nos EUA ou o recreativo nos “coffee shops” da Holanda e nos clubes sociais de cannabis na Espanha.

Atualmente, 35 estados dos EUA e o Distrito de Columbia permitem alguma forma de consumo de maconha, vários estados descriminalizaram a posse de pequenas quantidades e dois – Colorado e Washington – foram mais longe e legalizaram totalmente o uso recreativo.

A legalização do consumo recreativo será decidida no dia 4 de novembro através de um plebiscito em três estados – Alasca, Oregon e Distrito de Columbia (DC) – que coincidirá com as eleições legislativas nos Estados Unidos.

As mudanças na forma de compreender as políticas sobre drogas têm repercussões na América Latina, afirmou à Agência Efe Lisa Sánchez, conselheira de congressistas mexicanos e diretora da Fundação para a Transformação da Política de Drogas (TDPF) e do programa México Unido Contra a Delinquência (MUCD).

De acordo com ela, a legalização da maconha em estados fronteiriços com o México, como a Califórnia, pode gerar um “paradoxo” pelo fato de o estado mexicano passar a “importar” de forma legal, ao invés de “exportar” a cannabis.

Sánchez acredita que a legalização no Colorado e em Washington incitou o debate no México, onde artistas, políticos e intelectuais – como o escritor Héctor Aguilar Camín – pediram em várias ocasiões a descriminalização do consumo de maconha.

“As motivações para legalizar a maconha na América Latina são muito diferentes das dos Estados Unidos. A violência é um fator-chave. O Uruguai decidiu legalizar a maconha para evitar se transformar em um novo México e escapar da rede de narcotráfico”, destacou.

De acordo com Sánchez, a legalização da maconha provocou um impacto no Uruguai, que atualmente “enfrenta o desafio” de regulamentar a produção, distribuição e venda para saber onde e como a droga será vendida a partir do final de 2014 ou início de 2015.

Outros países comprometidos com a mudança na política de drogas são a Guatemala, o Chile e a Colômbia, onde será debatida antes do fim do ano uma lei de regulação da maconha.

“Há muitos desafios com os quais precisaremos lidar juntos. Mas, se os Estados Unidos não encontrarem essa flexibilidade, será muito mais difícil para a América Latina fazê-lo”, destacou Sánchez.

Na opinião de Chawla, os Estados Unidos devem se articular junto com outros países e levar o debate para a Assembleia Geral da ONU que será realizada em 2016.

“É crucial que os países entendam que estão diante da oportunidade histórica de abrir um debate que esteve completamente fechado durante os últimos anos”, concluiu Chawla. EFE

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