Turista na Grécia não vê crise, mas passa perto; confira relato de viagem

  • Por Marcella Lourenzetto/Jovem Pan
  • 29/07/2015 18h44
Marcella Lourenzetto Grécia Marcella

Por MARCELLA LOURENZETTO
Reportagem especial direto da Grécia

Para o turista desavisado que fica encantado com as belezas gregas não há qualquer sinal de crise. Desde o maravilhoso arquipélago aos grandes monumentos históricos na capital Atenas, os pontos turísticos mais fortes do Mar Mediterrâneo estão lotados de gente do mundo todo, principalmente da Europa. Mas, para aqueles com um olhar mais apurado, a situação política e econômica do país está mais evidente do que parece.

Alemães, espanhóis, europeus no geral, norte americanos, e esta brasileira que escreve compõe o leque amplo de turistas que aproveitaram o verão no hemisfério norte para conhecer a Grécia. 

As ilhas são parte do cenário perfeito para se passar as férias – e é assim que os moradores querem que continue. Com o turismo sendo uma das principais fontes de renda do país, a maioria dos gregos evita falar de problemas, mesmo quando a insatisfação é gritante.

Em Creta, a maior ilha do Mar Egeu, as ruas estreitas ficam lotadas de pessoas que disputam espaço com araras de roupas e prateleiras de souvenires. Os grupos de turistas são conduzidos por guias que dominam vários idiomas e garantem um passeio cultural completo.

Após conhecer os primórdios da civilização com as ruínas do povo minoico (“o primeiro elo da civilização europeia”, segundo o historiador Will Durant), o viajante se delicia com os restaurantes e lojas que oferecem grandes descontos e fazem de tudo para o turista sair bem satisfeito.

Entre um local e outro é possível encontrar vários aposentados sentados em bancos e conversando em praças. Também não é difícil ver pessoas pedindo dinheiro nas ruas, principalmente àqueles com “cara de estrangeiro”.

Dimitri é malabarista e artista de rua, mas hoje trabalha com turismo. Mesmo com residência fixa em Tessalônica, o homem de 42 anos passa mais tempo em Patmos com ônibus lotados de turistas. Para ele, houve queda no número de visitantes este ano: “o turismo diminuiu muito, porque se passou uma propaganda de crise que deixou medo nas pessoas”.

O guia conta que durante as duas principais semanas da alta temporada em julho, os bancos ficaram fechados, o que afugentou os visitantes. “Muitas pessoas evitaram os passeios, mesmo com a ilha tranquila”, comenta.

Durante dias, os gregos só conseguiam sacar até 60 euros por dia. Hoje, o limite aumentou. O turista consegue retirar dinheiro sem grandes dificuldades, contudo a recomendação do governo é de que se leve uma boa quantia em dinheiro vivo. Com uma balança comercial deficitária e um país fracionado em mais de 6.000 ilhas (menos de 200 são habitadas), a melhor forma de aproveitar o território é abusar da história com a mitologia e explorar o turismo.

As ilhas mais visitadas, além de Creta, são Patmos, Rodes, Mykonos e Santorini. Esta última é o reduto das lojas de marcas famosas, dos mais endinheirados da Europa e de incríveis paisagens. Com as casas brancas que contrastam com o mar azul, a vista é disputada pelas lentes das câmeras dos turistas, principalmente no bairro de Oia (lê-se “iá”).

A herança de governos que não souberam equilibrar a economia grega fez com que a situação chegasse ao ponto que está: a população insatisfeita com as medidas de austeridade e o governo evitando uma possível saída da zona do euro. Em uma tentativa de passar a responsabilidade para o povo, o primeiro-ministro Alexis Tsipras realizou um plebiscito com o objetivo de decidir o destino econômico do país. A maioria votou pelo “não”, entretanto, o governo aceitou exigências da União Europeia deixando a população ainda mais cansada de tanto arrocho. E esse cansaço é visto nas ruas da capital Atenas.

Não há como deixar de se encantar com a cidade que é praticamente um museu a céu aberto, com uma das obras mais famosas da arquitetura mundial exposta em pleno centro. O Pantheon é um espetáculo à parte, mas locais como o arco de Adriano e o Templo de Zeus também deixam os turistas de boca aberta. Durante a noite, a Acrópole iluminada vira protagonista nos jantares no bairro turístico de Plaka. Mesmo com tanta beleza, também se notam faixas de protesto, pichações em muros e destruição de caixas eletrônicos.

Nota-se uma revolta em particular com os bancos alemães, bases fortes do Banco Central Europeu e, consequentemente, os principais credores da Grécia. E para fomentar ainda mais a discórdia, corre até uma conversa entre a população de que “a Alemanha quer comprar as ilhas da Grécia”.

Os que trabalham com o turismo evitam falar sobre crise e até se ofendem com a pergunta. O turista não vê crise, apenas passa perto. Os atendimentos nos bares, restaurantes, hotéis, sítios arqueológicos e museus no geral são muito bons. E se você é brasileiro ainda arranca uns passos de samba e sorrisos.

Apesar da hospitalidade a tensão é forte: se o governo fica com o sim, as medidas de austeridade vão sufocar ainda mais a população. Se a opção for romper com a União Europeia, a Grécia sai da zona do euro, fica com uma moeda branda no mercado externo e outras economias como as de Portugal, Espanha e Itália enfraquecem ainda mais no sistema. E a população? Sofre com qualquer escolha.

Para o turista? Tudo está bem. Os principais monumentos históricos da civilização – grande maioria considerada como patrimônio da humanidade pela Unesco – continuam lá. O pedaço de paraíso no Mar Egeu, que banha as ilhas de casas brancas e de ruínas, está intocável e os preços até que são acessíveis (se você estiver de navio, com até 200 euros é possível percorrer pontos turísticos em Patmos, Rhodes, Creta e Santorini). Vale a pena embarcar nessa viagem. É só não falar de crise.

 

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