Na Síria, destroços físicos e morais

  • Por Caio Blinder/Jovem Pan Nova Iorque
  • 02/05/2017 08h33
EFE Voluntários Síria - Capacetes brancos

Já estamos no segundo dia de maio e temos boas notícias para reportar sobre a guerra civil síria: neste mês ainda não tivemos informações sobre o uso de armas químicas pelo regime genocida de Bashar Assad.

Aliás, as notícias são ainda melhores. Já se vai quase um mês (4 de abril) desde que houve o ataque com gás sarin contra o vilarejo de Khan Sheikhoun, que motivou o presidente Trump a ordenar o disparo de um punhado de mísseis contra uma base aérea síria em retaliação à barbárie de Assad. Aquele ataque com gás sarin provocou a morte de 89 pessoas.

O entendimento tácito é o de que existe agora uma linha vermelha contra a utilização de armas químicas por Assad, com a cumplicidade do seu patrono Vladimir Putin. Estima-se que o regime de Damasco tenha toneladas de gás sarin e de clorina. De resto, o ditador pode cruzar com desenvoltura outras linhas, recorrendo a artefatos do seu arsenal, como napalm, bombas de barril, fósforo branco (ou incendiárias) e de fragmentação, no uso em que não discrimina entre alvos militares e civis.

A Casa Branca já desviou a atenção para outras crises explosivas, ignorando as barbáries de Assad, enquanto alveja terroristas islâmicos. Aviões sírios e russos seguem bombardeando alvos civis. Nos cálculos do Observatório Sírio de Direitos Humanos, por dia morrem entre 70 e 80 civis na guerra civil, o mesmo número anterior ao ataque químico em Khan Sheikhoun.

O trabalho dos capacetes brancos, a organização humanitária descrita como terrorista por Assad, segue infatigável. O seu diretor, Raed al-Saleh, disse que os mísseis de Trump não tornaram a vida dos civis mais segura. A denúncia sobre o uso de gás Sarin foi feita pelos capacetes brancos.

Saleh esteve em Washington na semana passada para relatar o trabalho dos corajosos capacetes brancos nos destroços sírios. Relatou que, em 22 de abril, aviões russos jogaram seis bombas de fragmentação em um hospital construído dentro de uma caverna a seis quilômetros de Khan Sheikhoun. Nos dias seguintes, foram alvejados outros três hospitais na região. Entre as vítimas, integrantes das operações de resgate dos capacetes brancos.

A organização humanitária se tornou alvo preferencial dos russos desde que ofereceu as evidências do ataque com gás sarin. Vários centros de operações do grupo tem sido atacados. E como parte do modus operandi russo, está em curso uma maciça ofensiva de propaganda. Porta-vozes do Kremlin acusam os capacetes brancos de colaborarem com os terroristas do Estado Islâmico e da rede Al-Qaeda, além de proporcionarem pretextos para a “agressão” americana. Na verdade, os capacetes brancos são as vítimas: quase 200 morreram e 500 foram feridos desde que o grupo foi criado em 2013 em áreas rebeldes no norte da Síria.

Na Síria, os destroços também são morais. Será preciso muito mais do que um punhado de mísseis para deter sua multiplicação.

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