Delcídio e a lei: prisão preventiva e voto aberto no Senado estão amparados na Constituição

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 26/11/2015 13h10
BRASÍLIA, DF, 03.06.2015: SENADO-DIA - O líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS) - O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), preside sessão deliberativa no plenário do Senado, em Brasília (DF), na tarde desta quarta-feira (3). (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress) Folhapress líder do governo no Senado

Com o seu jeitão de Vovó Mafalda e alma de Vovó Metralha, o petralha Delcídio Amaral, senador (PT-MS), foi além, creio, do que se poderia imaginar. Parlamentares já cometeram crimes escabrosos antes, inclusive de sangue. Mas organizar a rota de fuga de um prisioneiro, contando, para isso, com anunciado passa-moleque no Supremo? Acho que vai além das suposições mais pessimistas. E, claro, ele se organizou com esse fim com intuito de livrar a própria pele.

E era isso o que ele fazia, alegando, inclusive, suposta influência sobre dois ministros — Teori Zavascki e Dias Toffoli — e suposta potencial influência sobre outro: Gilmar Mendes. É claro que os ministros não têm nada com isso. Há loucos que se consideram íntimos de Deus.

Para esclarecer: o Supremo não precisa de autorização do Senado para decretar a prisão preventiva de um parlamentar, conforme estabelece o parágrafo 2º do Artigo 53 da Constituição:
“§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.”

Mas é preciso, sim, ter autorização da respectiva Casa Legislativa para manter um parlamentar preso.

O que aconteceu com Delcídio foi um flagrante? Foi. Notem: ele foi surpreendido durante o cometimento do crime, não? Afinal, este só chegaria ao fim quando Cerveró deixasse o país, mas o estopim já estava aceso. Ele estava envolvido com uma organização criminosa cuja ação deletéria dura no tempo.

E quando é que se pode decretar prisão preventiva de alguém? O Artigo 312 do Código de Processo Penal estabelece:
– para garantir a ordem pública;
– para garantir a ordem econômica;
– por conveniência da instrução criminal;
– para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova suficiente de autoria.

O Inciso IV do Artigo 324 do mesmo CPP, por sua vez, define que não será concedida fiança “quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva”.

Ora, ao planejar a fuga de Cerveró, Delcídio estava tentando prejudicar a instrução criminal e impedir a aplicação da lei penal. Notem: ele não buscava esses dois intentos para beneficiar Cerveró, mas para se beneficiar. Queria impedir o outro de revelar as entranhas da compra da refinaria de Pasadena. Segundo Fernando Baiano, ele, Delcídio, levou US$ 1,5 milhão em propina.

E, por óbvio, ao optar pela esculhambação, tentando manipular até o Supremo, é evidente que Delcídio ameaçou também a ordem pública.

Nós ouvimos o diálogo. O lugar dele é a cadeia.

Votos no Senado

Mas o voto sobre a manutenção ou não da prisão do senador Delcídio Amaral não deveria ter sido secreto?

Vamos lá. Com efeito, o Artigo 291 do Regimento Interno do Senado estabelece que a votação, para manter ou não um de seus membros preso, tem de ser secreta. Está na alínea C do Inciso I do Artigo 291. Está escrito lá:

Será secreta a votação:

I – quando o Senado tiver que deliberar sobre:
c) prisão de Senador e autorização da formação de culpa, no caso de flagrante de crime inafiançável.

Então foi uma decisão contra o Regimento? Bem, foi uma decisão a favor da Constituição. E isso evidencia que o dito-cujo está desatualizado. Querem a prova?

A alínea b do mesmo Inciso I diz que também a perda do mandato de senador deve se dar por votação secreta. E, como todos sabemos, isso foi mudado pela Emenda Constitucional nº 76, de 2013.

A verdade é que a Constituição nada diz sobre a forma de votação no caso da prisão de um senador. Sob certo ponto de vista, poder-se-ia dizer que cabe à Casa decidir. Foi a leitura que fez Renan Calheiros, presidente, ao submeter a decisão ao plenário. Mas é um ponto de vista errado.

Afinal, o Artigo 37 da Constituição, é claro:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

E foi justamente com base nesse artigo que o ministro Fachin concedeu uma liminar a mandado de segurança impetrado por Randolfe Rodrigues (Rede-AP) em favor do voto aberto. Disse o ministro: “A publicidade dos atos de exercício de poder é a regra estabelecida pela Constituição, tanto para o Poder Executivo, Judiciário ou Legislativo”.

É claro que Fachin está certo. Quando quer, a Constituição é explícita em prever o voto secreto no Senado. Os casos estão no artigo que define as atribuições exclusivas da Casa, o 52:
III – aprovar previamente, por voto secreto, após arguição pública, a escolha de:
a) Magistrados, nos casos estabelecidos nesta Constituição;
b) Ministros do Tribunal de Contas da União indicados pelo Presidente da República;
c) Governador de Território;
d) Presidente e diretores do banco central;
e) Procurador-Geral da República;
f) titulares de outros cargos que a lei determinar;

IV – aprovar previamente, por voto secreto, após arguição em sessão secreta, a escolha dos chefes de missão diplomática de caráter permanente;

XI – aprovar, por maioria absoluta e por voto secreto, a exoneração, de ofício, do Procurador-Geral da República antes do término de seu mandato;

Como se nota, a Carta nada diz sobre voto secreto para manter ou não um senador preso em flagrante por crime inafiançável. Não havendo, vale o fundamento da publicidade.

Petistas, a exemplo do senador Donizete Nogueira (PT-TO) – o rei do spam!!! –, protestaram contra a suposta interferência do Supremo no Legislativo. É claro que é uma besteira. Estamos falando aí é de Controle de Constitucionalidade.

Um regimento interno, qualquer que seja, não pode afrontar a Constituição. E, pela Constituição, vela o Supremo. E a Lei Maior impõe como regra a publicidade e como exceção o voto secreto — exceções devidamente explicitadas.

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