Nobel para Bob Dylan? Vamos lutar por Chitãozinho e Xororó

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 14/10/2016 06h44
Reprodução/Facebook Foto de arquivo de Bob Dylan

Tenho certa preguiça, confesso, em debater se Bob Dylan “merece” ou não o Prêmio Nobel de Literatura. O que é merecimento nesse caso? É claro que não estamos lidando apenas com questões de gosto. E eu gosto de ouvir Dylan. Mas é literatura?

Tanto quanto são literatura as letras de Tião Carreiro e Pardinho ou Zé Fortuna. Ou de Catulo da Paixão Cearense. Ou de Patativa do Assaré. Ou de Chico Buarque. Ou de Caetano Veloso. Aliás, Caetano (que não gosta de mim) usa com mais propriedade os recursos que lhe oferece a língua portuguesa do que Dylan os que lhe proporciona a inglesa.

O Nobel é uma distinção que tem a ver com o tempo e está ligada a valores influentes. Não conta a qualidade do que se produz. Ou seria preciso considerar que a “poesia” de Dylan é superior à de Jorge Luís Borges, que não mereceu a láurea. Qualquer um que tenha especial interesse por literatura, independentemente do gosto, se atreveria a tentar provar algo parecido?

Então chegamos ao ponto. A literatura, como toda arte, envolve as questões de gosto. Mas também existe a técnica, no sentido mais amplo do termo.

Dados os recursos que oferece a poesia, seria Bob Dylan um seu usuário exemplar, um mestre, o senhor de uma performance hoje incomparável em escala planetária?

Podemos ir além: literatura também é dialogar com as gerações passadas; o bom texto ainda rompe limites. Repete para aprender. Ousa para avançar. Ezra Pound. Seria essa uma das preocupações de Dylan quando escreve as suas letras?

ATENÇÃO! SE, EM ALGUM MOMENTO, ELE SACRIFICOU UMA PALAVRA EM FAVOR DA EUFONIA PARA QUE ELA SE CASASSE MELHOR COM A MÚSICA, ENTÃO É MÚSICO, POETA NÃO É.

E é claro que ele fez isso.

Todo debate assim, no entanto, é ocioso. O Nobel não é um prêmio de critério. O Nobel é uma escolha adequada à metafísica influente. O prêmio quis ser pop. E a maneira de ser pop foi distinguir, vênia máxima, o rebelde dos anos… 60!

É claro que surgirão, a partir de agora, os exegetas da obra dylaniana para demonstrar dimensões do sublime e da natureza humana até então insuspeitadas na sua obra.

Mas nada disso vai mudar a força motivadora da distinção: premiar o autor de letras anti-establishment — inclusive contra um suposto establishment literário.

Imagino o que seria o correspondente no caso de um Prêmio Nobel de Química ou de Economia…

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