Pingo Final: STF acerta e Bolsonaro segue réu por incitar crime de estupro

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 08/03/2017 10h13
Reprodução Bolsonaro empurra Maria do Rosário - rep

A Primeira Turma do STF, ora com quatro membros (Alexandre de Moraes ainda não tomou posse), rejeitou recurso do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), tornado réu sob a acusação de injúria e incitação ao crime de estupro contra a deputada Maria do Rosário (PT-RS).

Andam a fazer lambança por aí. Não se fez nenhum juízo de mérito. A alegação da defesa foi considerada inepta pelos quatro ministros: Marco Aurélio, Luiz Fux, Rosa Weber e Roberto Barroso. DESTAQUE-SE PARA QUE FIQUE AINDA MAIS CLARO: Marco Aurélio havia votado contra a recepção da denúncia. Será que ele mudou de ideia? Provavelmente, não!

A questão é técnica. Nos embargos de declaração — quando se cobra que os ministros esclareçam e dirimam eventuais obscuridades —, a defesa alegou que a fala de Bolsonaro estava protegida pela imunidade parlamentar.

Ocorre que essa é a tese da própria defesa. E se trata de um juízo de mérito. A questão já estava vencida. O tribunal já havia entendido, por 4 a 1 (à época, Luiz Fachin estava na Primeira Turma), que falas de Bolsonaro não estavam resguardadas pela imunidade. Embargo de declaração não serve para isso, ora bolas! Daí que até Marco Aurélio, que talvez vote pela absolvição de Bolsonaro, tenha recusado o expediente. Agora a ação penal será efetivamente aberta, e o deputado irá a julgamento na Primeira Turma.

Agora o mérito

Os ministros não entraram no mérito, mas eu entro, nos termos abordados neste blog no dia 22 de junho de 2006. E reconstruo a história, que está sendo falsificada pelos bolsonaristas.

A boçalidade
No dia 9 de dezembro de 2014, Bolsonaro protestava contra conclusões que eu também considerava absurdas da chamada “Comissão da Verdade”. Quando ele discursava, Maria do Rosário levantou-se para sair. E ele disparou: “Não saia, não, Maria do Rosário, fique aí! Há poucos dias, você me chamou de estuprador no Salão Verde, e eu falei que eu não estuprava você porque você não merece. Fique aqui para ouvir”.

Não! Não havia sido “há poucos dias”. Mas fica para outro post.

Ele achou pouco. O bolsonarismo tem um espírito insaciável para a baixaria, a brutalidade e o fascismo da vulgaridade. Em entrevista posteriormente concedida ao jornal Zero Hora, a sangue-frio, sem qualquer incitação pelo calor do momento, disse placidamente, como quem anuncia que hoje é terça-feira: “[Maria do Rosário] não merece porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar, porque não merece”.

Palavras fazem sentido
É uma pena que as palavras façam sentido — ao menos para o deputado e sua grei. Se alguém disser, leitor amigo, que sua mãe, sua mulher ou sua irmã (ou você mesma, se leitora for) “não merecem” ser estupradas porque muito feias, então está dizendo que, fossem bonitas, já seriam merecedoras de tal distinção — embora Bolsonaro, claro!, negue ser um estuprador.

É curioso! Sou capaz de apostar que boa parte dos bolsonaristas seja favorável àquilo que chamam “fim do foro privilegiado”, não é mesmo? Não obstante, para defender seu líder, tentam argumentar que as falas dos parlamentares, quaisquer que sejam, estariam protegidas pela imunidade parlamentar. Sim, são estatutos distintos. Fala-se aqui de paradigma.

Eu, por exemplo, acho que um deputado deve, sim, ter foro especial — aliás, Bolsonaro o exerce no momento, certo? Acho que é preciso proteger os parlamentares de sanhas justiceiras. Mas, por óbvio, a imunidade parlamentar não pode cobrir a incitação ao crime.

Foi o que fez Bolsonaro. E acho que tem de ser punido por isso. Pelo Supremo! Pelo foro especial contra o qual lutam seus soldados. Ou será que prefeririam que o mestre fosse julgado pela Primeira Instância?

E não! Não acabei. Vem outro post para desfazer a mentira de que Bolsonaro só estava respondendo a uma agressão de Maria do Rosário. Aliás, a entrevista ao Zero Hora já é uma evidência disso, não? Ele achou pouco dizer uma vez que estupro de mulheres bonitas é matéria de merecimento.

Falácia

Os bolsonaristas espalham a farsa de que, naquele dia 9 de dezembro de 2014, quando Bolsonaro associou estupro a uma distinção a que só as bonitas estariam afetas, ele apenas respondia a uma agressão de Maria do Rosário.

Tanto é assim que ele disse: “Não saia, não, Maria do Rosário, fique aí! Há poucos dias, você me chamou de estuprador no Salão Verde, e eu falei que eu não estuprava você porque você não merece. Fique aqui para ouvir”.

Como? Há poucos dias?
A questão é antiga. Quando Bolsonaro disse “há poucos dias, você me chamou de estuprador”, estava contando uma mentira. Aquilo tinha ocorrido em 2003, HAVIA JÁ, PORTANTO, 11 ANOS. Olhem a prova aqui.

Em 2003, de fato, foi Maria do Rosário quem primeiro ofendeu o adversário — como ela costuma fazer, diga-se. A petista interrompeu uma entrevista que Bolsonaro concedia à Rede TV!, em que defendia a maioridade penal aos 16 anos (tese com a qual concordo), e o chamou de “estuprador”.

É evidente que se trata de uma boçalidade e de um crime. Ocorre que a resposta de Bolsonaro, naquele 2003, foi também boçal (e ele viria a repetir a frase 11 anos depois):

— Eu jamais iria estuprar você porque você não merece.

Ela o ameaçou com uma bofetada:

— Olhe eu que lhe dou uma bofetada!

— Dá, que eu lhe dou outra.

E, na sequência do bate-boca, o deputado acabou por xingar Maria do Rosário de “vagabunda”. Então tá! Ela pode chamar um colega de “estuprador”? Não! Ele pode afirmar que o estupro é matéria de “merecimento” — e, o que é mais estarrecedor, nota-se que ele trata essa violência como uma distinção positiva? É claro que não! Está tudo errado.

Atenção! A ação que corre no Supremo não se refere ao caso de 2003, mas ao de 2014.

Digamos que eu considere a dupla, para usar uma expressão de uma jornalista amiga, “imprópria para o consumo humano”. Mas vá lá, no calor da hora, Maria do Rosário optou pela canalhice e o chamou de “estuprador”; ele deu uma resposta igualmente canalha.

O que justifica, no entanto, que, 11 anos depois, Bolsonaro repita a mesma agressão, do nada? Ah, vai ter de explicar ao Supremo o que quis dizer exatamente. Seus partidários — deveria dizer “sicários”? — não conseguem expor, digamos, em perífrases, qual é o sentido virtuoso, ou ao menos neutro, de “[Maria do Rosário] não merece porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria.

Agressão ampla
Bem entendido: a agressão não está em dizer que Maria do Rosário não merece ser estuprada, como querem alguns sofistas de fancaria, mas em sugerir, então, que muitas mulheres, que Maria do Rosário não são, merecem.

Que tal a sua mãe, leitor amigo? Ou a sua irmã? Ou a sua mulher? Ou a sua namorada? Ou você mesma, eleitora bolsonarista e, claro, bela (as feias fiquem tranquilas)…

Eis uma evidência que os, digamos, “bolsonaretes” não conseguem negar, não importa a que falácia se apeguem ou a que argumento apelem, saído da pena do “çábio” construtor de falácias, o velho perdigueiro desdentado.

Bolsonaro considera Maria do Rosário desprezível, certo? Tão desprezível, diz ele, que não mereceria nem mesmo ser estuprada. Logo, para este senhor, sofrer um estupro é um merecimento de quem exibe as devidas qualidades para tanto. Quais, senhor parlamentar? Quando é que uma mulher “MERECE” ser estuprada?

É uma fala asquerosa, pela qual, que eu saiba, ele nem mesmo se desculpou. Estou doido para ler a sua defesa. Quero que esclareça o que quis dizer quando associou o estupro à meritocracia.

Cultura do estupro
Já entrei num debate renhido aqui e em toda parte sobre a chamada “cultura do estupro”, que teria se revelado num episódio ocorrido no Rio em 2016. É claro que isso é uma farsa inventada pelas esquerdas supostamente modernizadas. Queriam só fazer um pouco de política. Por que os mesmos setores não se mobilizaram em defesa da garota que foi violentada por quatro menores no Piauí? Não se ouviu um pio. Afinal, ali se tratava de “proteger” menores…

Inexiste cultura do estupro no país. Isso é só coisa de militância destrambelhada. O fato de eu ter essa opinião não deve se confundir com a defesa da impunidade para pessoas que dizem as boçalidades que diz Bolsonaro.

A mulher que concordar com o deputado tem de concordar que, sob certas circunstâncias, qualquer uma “merece” ser estuprada, inclusive ela própria. O homem que concordar com Bolsonaro terá de concordar que, sob certas circunstâncias, sua própria parceira, filha ou mãe merecem ser estupradas. Mais do que isso: terá de concordar que, sob condições tais e quais, qualquer homem pode dar o que a tal mulher “merece” — sendo, pois, um estuprador em potencial.

Será condenado. E 2018
Bolsonaro, entendo, não tem saída. Não vejo como possa ser absolvido. E, como se nota no embargo declaratório, sua defesa não tem argumento a não ser aquele que já foi rejeitado.

Se for condenado, perde o mandato, torna-se inelegível e não poderá se candidatar à Presidência da República…

“Ah, é isso o que você quer, né, Reinaldo?”

Não!

Os meus quereres nesse caso nada têm a ver com a candidatura deste senhor, que não considero uma ameaça. Eu só o vejo como sintoma. Acho que tem de ser punido porque cometeu um crime.

Em 2016, no estilo característico, ele disse: “Me fodi. Tomei de quatro a um [quatro ministros votaram contra ele e um a favor]. Estão querendo me tornar inelegível para as próximas eleições. Vou pagar pelo estupro coletivo daquela menina no Rio”.

Errado! Ele se deu mal porque associou estupro a mérito; porque estabeleceu categorias de mulheres que merecem e não merecem ser violadas.

Ofendeu Maria do Rosário porque Maria do Rosário é mulher. Mas ofendeu a todas as mulheres que Marias do Rosário não são.

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