Trapalhada: o jogo de erros do telefone hackeado de Marcela Temer

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 14/02/2017 09h24
Brasília - DF 05/10/2016. Presidente Michel Temer e a Primeira-dama Marcela Temer durante cerimônia de Lançamento do Programa Criança Feliz. Foto: Beto Barata/PR Beto Barata/PR Marcela Temer - PR

Não deixa de ser curioso ler as acusações de grupos esquerdistas, segundo os quais o governo de Michel Temer resolveu censurar a imprensa.

Qual é o caso? Uma liminar do Hilmar Castelo Branco Raposo Filho, da 21ª Vara Cível de Brasília, proíbe a Folha de publicar informações sobre a tentativa de um hacker de chantagear Marcela Temer, a primeira-dama. Na mensagem, o dito-cujo disse dispor de informações para jogar o “nome de Temer na lama”. Bem, não jogou. O sujeito, Silvonei de Jesus Souza, foi condenado em outubro a 5 anos e 10 meses de prisão por estelionato e extorsão. Cumpre pena em Tremembé.

Ouça o comentário completo AQUI.

A Folha e alguns advogados falam em censura.

Bem, está quase tudo errado aí. Vamos ver. Errou, por óbvio, o criminoso em primeiro lugar. Até onde sei, o material colhido pelo dito-cujo nada traz que desabone a primeira-dama ou o presidente. Tanto é que os dados estavam no inquérito. Mesmo assim, o Planalto determinou que o advogado Gustavo do Vale Rocha, subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, recorresse à Justiça, em nome da Marcela, para impedir a circulação das informações. E assim se fez.

Não vou inovar no que já disse aqui em outras circunstâncias. A imprensa tem de ser livre porque a liberdade de expressão e de informação está no capítulo dos nossos direitos fundamentais, a saber: o Artigo 5º da Constituição, que é cláusula pétrea. Lá se lê:

“IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;”

Logo, A Constituição veda que se proíba a imprensa de publicar isso e aquilo. Mas é preciso ver se outro dispositivo não está a ser desrespeitado. No caso em tela, o Inciso X, que vem na sequência, reza o seguinte:

“X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

E foi com base nesse arcabouço que a Justiça decidiu, lembrando ainda que também o Artigo 220 assegura a liberdade de imprensa. Acho um exagero a Folha chamar de censura uma vez que o Inciso X do Artigo 5º também tem eficácia imediata, como o IX. Que houve violação da intimidade, eis um fato.

Ocorre que…

Ocorre que a única coisa que se conhece da invasão que pode gerar algum burburinho é a ameaça do hacker de jogar o nome de Temer na lama. É claro que é bravata. Ou já teria jogado. Nesse caso, note-se, a questão, se existisse, diria respeito ao público. Reveste-se também dessa natureza quando é o subchefe da Casa Civil a recorrer.

Bem, vamos a tudo aquilo que, em lugar de alguns atores, eu não teria feito:

– em lugar da família Temer, jamais teria pedido que a reportagem fosse retirada do ar;

– havendo algum dano, a lei faculta que o veículo seja processado;

– fosse eu a Justiça, não teria concedido liminar, até porque os dados são praticamente públicos.

– e, à diferença da Folha, não chamaria de “censura” o que aconteceu porque sugere uma intervenção que a Justiça não estaria apta a realizar. E ela está.

É claro que a Folha e quaisquer outros veículos têm de tomar cuidado para não violar a intimidade mesmo de pessoas públicas sob o pretexto meritório de informar o que é de interesse coletivo. Mais: material coletado que tenha origem criminosa merece especial atenção. Não podemos, os jornalistas, nos comportar como linha auxiliar dos bandidos.

A minha síntese:

– não chamo de censura porque a decisão tem amparo legal — tratou-se de uma violação da intimidade, certo?;

– errou o Planalto ao recorrer; passa a impressão de que há algo a esconder nesse caso, e isso é falso;

– errou a Justiça ao conceder a liminar, contra a qual a Folha recorreu. E, creio, a chance de ganhar é grande.

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