O STF e a “pílula do câncer”. Suspender a lei foi a decisão correta

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 20/05/2016 13h20
Arco-íris ao entardecer visto da Estátua da Justiça. Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF (06/10/2011) Fellipe Sampaio/SCO/STF Estátua da Justiça que fica em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) em Brasília

Por seis votos a quatro, o Supremo Tribunal Federal concedeu liminar a Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida pela Associação Médica Brasileira, suspendendo a lei que autorizou a liberação da fosfoetanolamina sintética para pacientes com câncer. Acho a decisão acertada na forma e no conteúdo.

É correta na forma porque não cabe ao Congresso legislar a respeito. É correta no conteúdo porque inexistem testes que comprovem a efetividade da substância. O pouco que se sabe até agora aponta, aliás, a sua ineficácia.

É claro que essa é uma decisão delicada. Em questões dessa natureza, a gente se lembra do modo como Albert Camus tratou o suicídio em “O Mito de Sísifo”: decidir se continuo ou não vivo, escreveu, é a única questão filosoficamente relevante.

Assim, se quero testar em mim uma pílula na esperança de que me salve, ninguém tem nada com isso, certo? Se posso decidir sobre a minha morte, posso arbitrar sobre as condições que vão me manter vivo.

Pois é… Esse é o ponto em que a defesa do individualismo tem de se distinguir da anomia social, da desordem, do salve-se quem puder. A liberação de um remédio não é uma questão individual, mas pública.

Não estamos no universo das escolhas pessoais — até porque, não duvidem, estas continuarão a ser feitas, inclusive no que diz respeito à fosfoetanolamina sintética. Se a pessoa quiser testar o remédio, não haverá quem possa impedi-la.

Ocorre que aqueles que decidiram recorrer ao estado, por intermédio do Congresso, para regulamentar a matéria estavam pedindo a intervenção da ordem política e jurídica. Se estavam, o filtro deixa de ser apenas o da vontade individual, cujo espaço se vê estreitado pela segurança coletiva.

Ora, é evidente que há o risco imenso de parte dos pacientes de uma doença potencialmente mortal abandonar o tratamento convencional, cujos limites e virtudes foram cientificamente testados, em favor de uma droga que, até onde se verificou, demonstrou a sua ineficácia. Não cabe ao estado pôr a sua chancela em algo assim, seja em que instância for, se os testes universalmente reconhecidos não apontam os benefícios da droga.

Essa matéria jamais deveria ter sido arbitrada pelo Poder Legislativo. E é evidente que a presidente Dilma jamais poderia ter sancionado a matéria.

Votaram pela não validade da lei os ministros Marco Aurélio Mello, Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. Os quatro votos divergentes foram dos ministros Luiz Edson Fachin, Rosa Weber, Dias Toffoli e Gilmar Mendes.

E que se note: estes não votaram pela liberação. Para eles, só poderiam ter acesso à droga os que fossem considerados pacientes terminais e já não respondessem mais a nenhuma outra droga. Na argumentação, Fachin, cujo voto foi endossado pelos outros três, afirmou: “A Anvisa não detém competência privativa para autorizar a comercialização de qualquer substância. […] O Congresso pode reconhecer o direito de pacientes terminais a agirem ainda que tenham que assumir riscos desconhecidos em prol de um mínimo de qualidade de vida”.

Compreendo a boa intenção, mas não gosto da ideia. Acho que ela abre caminho para o vale-tudo na área. Pessoas com graves problemas de saúde poderiam ser alvos da má-fé de milagreiros.

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