Ditadura é impor agenda de falsa normalidade mediante corrupção, rebate procurador da Lava Jato

  • Por Jovem Pan
  • 22/06/2017 11h27 - Atualizado em 29/06/2017 01h02
Geraldo Bubniak/AGB/Estadão Conteúdo - 12/04/2016 GERALDO BUBNIAK/AGB/ESTADÃO CONTEÚDO AE O procurador regional da República da Lava Jato Carlos Fernando dos Santos Lima

Em meio ao julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que discute a validade da delação da JBS, que abalou o governo de Michel Temer, o procurador da Lava Jato em Curitiba, Carlos Fernando dos Santos Lima, se mostra otimista. Mesmo vendo riscos na tentativa de reação política contra as investigações, Lima classifica as operações como “quase irreversíveis”.

Carlos Fernando entende que a substituição de Rodrigo Janot na Procuradoria-Geral da República não afetará a Lava Jato em Curitiba, primeira instância. Ele torce, porém, para que o presidente Temer, alvo de inquérito em Brasília, escolha um dos três nomes indicados pela classe de procuradores. E mostra preocupação com o prosseguimento dos julgamentos no STF. “Quando um investigado escolhe um procurador, é difícil você não sentir que podem acontecer influências indevidas”, diz.

Lima ainda rebateu o ministro do Supremo Gilmar Mendes, crítico constante de métodos usados pela Lava Jato, como a prisão preventiva e a delação premiada. Mendes disse nos últimos dias que vê um autoritarismo que beira a “ditadura de promotores ou de juízes”. O procurador responde: “Creio que algumas pessoas desejem uma ditadura em que se imponha, mediante um sistema político infelizmente extremamente corrompido, uma agenda de falsa normalidade. Isso eu entendo. É o retorno aos padrões antigos”. Para o membro da Lava Jato. Mendes não tem o poder de “impor qualquer agenda” ao Judiciário.

A confiança é tanta, que o procurador trata no passado a impunidade no passado, ao criticar a absolvição da chapa Dilma-Temer na justiça eleitoral. “O TSE foi um dos últimos suspiros desse sistema de impunidade em que nós vivíamos”.

Assista e leia a entrevista completa de Carlos Fernando dos Santos Lima ao Jornal da Manhã da Jovem Pan desta quinta-feira (22):

A Lava Jato corre algum tipo de risco? Existem frentes contra a Lava Jato no País?

Evidentemente sempre corremos risco, desde o início das operações. Quanto mais maduras as operações ficam, elas se tornam quase que irreversíveis, mas é sempre possível ver movimento (contrário), ainda mais quando você atinge uma classe política que nunca esteve acostumada a sofrer qualquer tipo de investigação.

O Supremo está sinalizando corretamente, pelos dois votos e intervenções dos demais ministros (no julgamento suspenso sobre a validade da delação da JBS) num sentido positivo de fazer valer um novo direito, um direito penal negocial. Acho que nós temos superado esse momento de crise em decorrência do acordo (de colaboração) da JBS.

Por que a Lava Jato tem três anos? Ela não está se alongando demais?

Não creio que haja uma extensão no tempo excessiva. Mesmo porque três anos para atingirmos o grau de investigação e revelação de estruturas criminosas que nós atingimos é muito pouco tempo em qualquer padrão mundial.

Entendo a agonia das pessoas em termos das dificuldades econômicas. Entretanto nós vivíamos numa falsa ilusão de que o sistema político funcionava, e na verdade ele tinha se utilizado da criminalidade há muito tempo para se sustentar financeiramente.

“A Lava Jato hoje não é mais Petrobras. É todo o financiamento do sistema político através de corrupção. Isso atinge todos os partidos”

A revelação hoje é que a Lava Jato hoje não é mais Petrobras. É todo o financiamento do sistema político através de corrupção. Isso atinge todos os partidos e quase todas as estruturas de governo, sejam federais, estaduais e municipais.

Alongar demais não significa que estamos indo além das investigações. Hoje a Lava Jato é uma investigação nacional sobre diversos esquemas criminosos envolvendo o financiamento político. Infelizmente a criminalidade é extensa, não a investigação.

Há uma “ditadura do Judiciário”, como disse recentemente o ministro Gilmar Mendes?

Não creio.

Creio que algumas pessoas talvez desejem uma ditadura em que se imponha, mediante um sistema político que está infelizmente extremamente corrompido, uma agenda de falsa normalidade. Isso eu entendo. É um retorno aos padrões antigos.

Eu não vejo isso no Judiciário. Mesmo porque o Judiciário é um órgão multiforme. Existem diversos tribunais, diversos juízes e nenhum deles realmente pode impor qualquer agenda, muito menos o ministro Gilmar Mendes

Mendes disse que juízes e procuradores teriam um interesse político e estariam fazendo campanha para, em 2018, serem candidatos.

É uma crítica sem o menor sentido. Mesmo porque a movimentação política se dá muito mais quando pessoas defendem um ponto de vista quando determinado partido está no poder e defendem outro quando outro partido está no poder. Nós aqui estamos preocupados em combater corrupção, independente da pessoa, independente do partido, corrupção pura e simples. Não podemos ser condescendentes com crimes.

No momento em que um procurador ou um juiz passa a escolher quem ele vai investigar, quem merece ser punido e quem não merece ser punido, estaremos realmente em uma ditadura. Agora, quando nós vamos atrás de todos os fatos, estamos exercendo a função a qual a Constituição impôs ao Ministério Público

Houve decisões que geraram críticas da sociedade à Lava Jato, como os termos de delação da JBS e a decisão do juiz Sergio Moro de inocentar Cláudia Cruz (mulher de Eduardo Cunha) e Adriana Ancelmo (mulher de Sérgio Cabral). Como o sr. vê essas questões?

São dois fenômenos distintos.

O dr. Sergio Moro absolveu a jornalista Cláudia Cruz e Adriana Ancelmo. Até falei que ele tem um coração generoso e não foi nenhuma ironia, como alguns jornais colocaram. Na verdade a gente conhece o dr. Sergio Moro e sabe que ele tem essa visão muito branda em relação à participação da família em crimes praticados por determinados políticos.

É uma visão pessoal dele, nós discordamos, vamos recorrer e isso está dentro das atividades normais da decisão de um juiz. Vamos recorrer, pura e simplesmente, e esperar que o tribunal reforme essa decisão.

“Sempre estamos fazendo acordos com criminosos ou empresas envolvidas com o crime, senão não seriam acordos de colaboração ou leniência. População precisa entender”

Em relação ao acordo da JBS, nós compreendemos a crítica. Nós (da força-tarefa da Lava Jato de Curitiba) não chegamos a participar das negociações do acordo. Sempre alertamos, quando ministramos aulas a respeito de colaboração e leniência, que é preciso haver o entendimento da população em relação aos benefícios. Obviamente sempre estamos fazendo acordos com criminosos ou empresas envolvidas com o crime, senão não seriam acordos de colaboração ou leniência. Então é preciso que a população entenda o motivo pelo qual estamos fazendo.

Evidentemente imunidade é um benefício extremamente grave de se conceder porque implica o não oferecimento de qualquer acusação. Eu creio que o acordo era inevitável, importante, e, mesmo dando imunidade, vai se revelar, como os ministros (do STF) estão dizendo, ao final na sua real extensão e importância ao País.

Mas eu entendo que realmente é uma afronta à população às vezes verem um colaborador viajando para Nova Iorque livre de qualquer acusação.

Nós temos que lembrar que Marcelo Odebrecht, por exemplo, resistiu dois anos e estava preso quando celebrou o acordo. A situação dele, evidentemente, é diferente da pessoa que vem espontaneamente (à procuradoria) antes dos fatos serem revelados ou investigados. Então nós temos que fazer a ponderação de valores.

O sr. teme problemas na sucessão do procurador Rodrigo Janot? Muito se fala de que Temer poderia escolher um nome fora da lista tríplice.

Temos a prática de sugerir três nomes ao presidente da República e temos a esperança de que ele escolha um dos três nomes. Qualquer pessoa que entre na chefia do Ministério Público Federal tem muito pouco poder em relação a nós, investigação do primeiro grau, porque nós somos uma categoria que preza muito pela independência de cada procurado.

Entretanto, evidentemente que as investigações que ocorrem no Supremo estão sempre em perigo. Quando um investigado escolhe um procurador, é difícil você não sentir que podem acontecer influências indevidas. Nós esperamos que possa ser obedecida a lista até para que dê certa tranquilidade na condução do processo.

A absolvição da chapa Dilma-Temer é um sinal verde para que irregularidades como caixa dois e corrupção continuem sejam cometidas?

O interessante é que a Justiça eleitoral está lá para garantir a lisura das eleições e a própria democracia, porque não há democracia onde poder econômico prevalece sobre os demais candidatos. Um candidato pode se valer de corrupção, valores ilícitos, e outros têm que concorrer de modo correto. Isso desvirtua a própria democracia.

Quando a Justiça eleitoral se nega a punir esses fatos, ela realmente está dando um recado de que a impunidade ainda pode prevalecer. Mas eu creio que o (julgamento do) TSE foi um dos últimos suspiros desse sistema de impunidade em que nós vivíamos.

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