Cármen: nunca imaginaria estar no meio de um tumulto tão grande

  • Por Jovem Pan
  • 23/03/2018 08h38 - Atualizado em 23/03/2018 14h53
Derek Flores/Jovem Pan "Às vezes eu sei que o que eu estou fazendo é apenas um protesto tímido. Mas virão outros", disse Cármen Lúcia, parafraseando seu poeta favorito, Carlos Drummond de Andrade

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia afirmou, em entrevista exclusiva à Jovem Pan na noite desta quinta (22), que reage às pressões que tem recebido nos últimos dias para pautar o caso Lula e da prisão após 2ª instância “com absoluta tranquilidade”.

Cármen disse, no entanto, que “não imaginava” que sofreria tantas pressões no cargo máximo do Judiciário.

“Situações como essa que presidentes de tribunais têm vivido hoje, nenhum de nós que estamos chegando a esses cargos agora poderia sequer supor”, reconheceu a ministra. “O mundo mudou. O Brasil mudou e passa por um processo agora de extrema conturbação, de muita intolerância. Não é só no Brasil”, avaliou.

“O que nós vivemos hoje não é uma situação nem tranquila, nem um pouco capaz de dar uma resposta de serenidade às pessoas. Então eu não imaginaria nunca viver uma situação de estar no meio de um tumulto tão grande”, admitiu Cármen Lúcia, lembrando de verso de “Nosso Tempo”, de Carlos Drummond de Andrade, que diz: “meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra”.

A presidente do Supremo cita ainda outros dois versos do seu poeta favorito, que a “ajudam” em meio às turbulências: “O primeiro amor passou. O segundo amor passou. O terceiro amor passou. Mas o coração continua”, de “Consolo na Praia”. E, do mesmo poema, “À sombra do mundo errado murmuraste um protesto tímido. Mas virão outros”.

“Então às vezes eu sei que o que eu estou fazendo é apenas um protesto tímido. Mas virão outros”, parafraseou Cármen.

“Eu sinto muitas vezes a impotência de ver tanta injustiça ainda, tanta iniquidade, tanta desigualdade, e não poder dar uma contribuição que explodisse não com uma ilha, mas tantas ilhas de injustiça que ainda tem no Brasil”, declarou ainda a ministra, parafraseando outro poema de Drummond.

“O Brasil deveria viver mais poesias. Tornar concretas as poesias”, desejou Cármen.

Sobre as oitivas e reuniões que tem feito nos gabinetes do STF, Cármen amenizou: “todo mundo tem o direito de apresentar o seu pleito. Não significa que ele vai poder ser atendido nem que será atendido, até porque às vezes não tem base legal”, destacou. “Agora, o direito de ser ouvido todo mundo tem. O Judiciário tem que ouvir. Eu não me sinto pressionada nesse sentido de alguém imaginar que isso passe além do que é a expressão do outro, que eu tenho que escutar”, afirmou.

Veja esse trecho da entrevista:

#ResistaCármenLúcia

No fim da entrevista, o jornalista Augusto Nunes questionou a presidente do Supremo sobre a hashtag #ResistaCármenLúcia, que tem circulado nos últimos dias nas redes sociais, e pedem para que a ministra não ceda às pressões relacionadas à tentativa de mudar o entendimento atual do Supremo a favor da prisão após condenação em 2ª instância.

“Eu estou resistindo. Aliás, eu sou uma sobrevivente resistente”, declarou Cármen, enfática.

Mas a ministra foi mais genérica no porquê de se considerar “resistindo”, destacando sua história pessoal.

“A gente fracassa em algumas coisas, porque queríamos ter um Brasil muito melhor. A Constituição vai fazer 30 anos e achávamos que 30 anos depois já teríamos uma educação para todo mundo de boa qualidade, de saúde sendo prestada para todo mundo, e ainda não temos”, destacou. “E outras pessoas, inclusive alguns que participaram de atitudes contrárias à Constituição, como corrupção, acabaram ganhando muita coisa”, contrastou.

“Mas, tal como meu contemporâneo Darcy Ribeiro (ex-antropólogo e escritor de Montes Claros-MG), eu continuo resistindo porque não quero estar do lado daqueles que venceram pelos maus caminhos. Eu continuo querendo que as trilhas e veredas das Gerais, que têm valores de moralidade e dignidade, continuem prevalecendo na minha vida e que eu nunca desista disso”, concluiu a ministra mineira.

“Aceitaria novamente o cargo no Supremo?”

Em meio a especulações de que poderia renunciar ao cargo de presidente do Supremo, Cármen Lúcia disse que “o convite para integrar o Supremo Tribunal Federal é muito honroso”.

“É um cargo que não se pede, mas que também não se recusa, a não ser que haja uma muito boa razão”, afirmou.

Tendo sido professora de Direito Constitucional, diz Cármen, ir para o STF “era o sonho de tornar concreto(s) os sonhos previstos na Constituição”. A ministra foi nomeada ao Supremo pelo ex-presidente Lula em 2006.

Cármen Lúcia ressalta, porém, que se voltasse no tempo e recebesse novamente o convite para ser ministra da maior Corte do País, “pensaria um pouco mais, porque há muito pouco espaço de vida pessoal, para a gente ser feliz pessoalmente”.

A ministra citou outro poeta, Paulo Mendes Campos, para resumir o estado emocional que vive como ministra do Supremo: “se aumentou a minha dor, multiplicou-se também a minha esperança”.

Os versos originais dizem: “organizei meu sofrimento ao sofrimento de todos: se multipliquei a minha dor, também multipliquei a minha esperança”.

“Conheço o melhor e o pior da humanidade”

Cármen Lúcia sonha com “um Brasil que seja mais o Brasil dos brasileiros e menos do Estado brasileiro”.

“Nós temos que saber que o Estado tem que ter a nossa cara, e não nós termos a cara de um Estado que definitivamente não nos representa com tanta corrupção, com tanta indolência administrativa, com tanta ineficiência, que faz com que tenhamos tantas humanidades no mesmo País”, criticou a ministra.

“Temos pessoas que poderiam ser destaques pelo talento, pela inteligência, que poderiam contribuir de maneira muito melhor pelo País, para o mundo, para o outro, e que não têm as oportunidades”, disse Cármen. “E outros que têm tantas oportunidades com estudos, condições financeiras, e que nada fazem, não contribuem”, contrastou e lamentou a presidente do Supremo, pregando a união das pessoas.

Cármen Lúcia disse que conhece “pessoas muito boas”, como uma juíza “no norte do Brasil, que leva merenda e brinquedos para crianças ficarem brincando e comendo enquanto a mãe dá um depoimento para contribuir para o julgamento de um crime, porque ela não tem condições mínimas”.

“Eu conheço gente muito boa nesse meu cargo. Eu conheço o melhor da humanidade, embora seja certo que eu também conheço o pior da humanidade”, disse a presidente do Supremo.

Veja o trecho:

Assista à entrevista completa da presidente do STF:

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