Vencendo um aneurisma ao cair de 2016. Ou: Feliz 2017!

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 16/01/2017 12h45
Reprodução Aneurisma já preenchido e neutralizado por microespirais de platina; ali se vê o cateter passeando pela artéria

Caras e caros,

Estou de volta ao blog e ao conjunto da obra. Nesta segunda, já faço comentários no “Jornal da Manhã”, da Jovem Pan, e ancoro “Os Pingos nos Is”, também na emissora, entre 18h e 19h. Na terça, retomo os comentários no “RedeTV!News”. Na sexta, volta a coluna na Folha, e, na segunda seguinte, recomeça a minha participação da TVeja. Tudo ao menos como era antes, com prováveis novidades, que virão a seu tempo.

Vivi um fim de ano invulgar — e como!

Na madrugada do dia 23 de dezembro, durante um difícil exercício de esforço, tive uma dor de cabeça brutal, desmoralizante, que se repetiu, embora com menor intensidade, na madrugada e na noite do dia 24, véspera do Natal. Liguei, então, para o neurologista Marcos Augusto Stavale, cujos trabalho e reputação mundo afora não podem ser sumarizados num texto como este. A Internet está aí. É também meu amigo querido há mais de dez anos, desde quando, em fevereiro de 2006, extraiu dois tumores do meu crânio — hemangiomas ósseos.

Com a lhaneza e a firmeza habituais, Marcos me fez ver a urgência de fazer uma ressonância do cérebro e angiografia das artérias (Angio-RM). Deixou claro que eram para ontem… Quando eu o procurei, estava a poucas horas da noite de Natal, com suas luzes a conspirar simbolismos. Com seus gestos largos a expressar delicadezas mesmo que temporãs.

No dia 26, lá estava eu naquela máquina, com seus barulhos assimétricos, inorgânicos, frios. Com a cabeça presa numa espécie de gaiola. “Uma obra de John Cage só pra mim”, forcei a mão na graça sem graça. E certo de que a estrovenga barulhenta não se deixaria distrair por um chiste besta.

E não se deixou.

No dia seguinte, 27 de dezembro, Marcos me telefonou. Eu estava, mera coincidência, perto do seu consultório, que fica em frente ao Sírio. “Vamos conversar?” É claro que vamos.

Então ele me contou. Havia um aneurisma no meu cérebro. Sim, era grave. Sim, era urgente. Sim, era preciso fazer uma cirurgia. Mas quando? Que tal amanhã, ao raiar do dia?

Em 2006, descobri os dois tumores do meu crânio em razão de exames feitos em decorrência de uma labirintite, que nada tinha a ver com os ditos-cujos. Desta feita, tive a chamada “Dor Sentinela”, evento raro que anuncia o risco de rompimento de um aneurisma. Triplamente raro, um tanto vulgarizado no meu caso: não tive uma, mas três.

Deus rivalizava com Roberto Carlos: “Eu sei que eu tenho um jeito meio estúpido de ser/ mas é assim que eu sei te amar”.

Então tá. Que me ame.

Na quarta-feira, 28 de dezembro, mal rompia a manhã, o neurocirurgião Michel Frudit, mobilizado que fora por Stavale, introduzia um cateter na minha virilha direita para chegar ao cérebro, aquela massa que, para os adversários, não passa de uma vasta solidão. Os que me amam dão-me ao menos a vantagem da suspeita do sublime.

Michel e Marcos chegariam ao “é” da coisa, o que lhes daria uma imagem tridimensional do Oitavo Passageiro. Uma vez lá, eles decidiriam se seria uma cirurgia com crânio aberto ou fechado — a chamada embolização. Esta se mostrava inicialmente imprópria para o caso, a não ser que se tentasse um procedimento nem tão corriqueiro…

Bem, assim se fez. Se não sabem, a embolização leva até o aneurisma pequena molas metálicas, bem fininhas e delicadas, que se enrolam no interior do monstrengo. Essas molinhas se chamam GDC (Guglielmi Detachable Coils), ou “espiral descartável de Guglielmi”, numa referência ao médico de origem italiana Guido Guglielmi, que desenvolveu essas micropeças.

Estamos falando de artérias de alguns milímetros, onde passeia um cateter, por intermédio do qual essas microespirais de platina são introduzidas para tirar o inimigo de combate. Pronto. Ele ficará lá para sempre, em silêncio eterno.

Deixei o hospital na sexta-feira, dia 30 de dezembro, a tempo de assistir de casa ao raiar de 2017, em companhia da minha mulher.

Quando entrei na máquina, no dia 26, recitei em silêncio: “Esforce-se para entrar pela porta estreita”.

Quando Marcos anunciou o diagnóstico, recitei em silêncio: “Esforce-se para entrar pela porta estreita”.

Quando percebi que vinha a anestesia, recitei em silêncio: “Esforce-se para entrar pela porta estreita”.

Sou profundamente grato ao Hospital Sírio-Libanês.

Essa gratidão abraça a competência e o rigor técnico de Michel Frudit e do doutor Fábio Santana Machado, o meu Virgílio da UTI.

E o que dizer de Marcos Augusto Stavale, a pessoa que sabe mais do que ninguém neutralizar na minha cabeça o que não presta? Meu guia, meu irmão.

Sim, foi tudo arriscado e muito perigoso. Como disse Guimarães Rosa, “viver é muito perigoso”.

Mas passei pela porta estreita, como a fala de Cristo em São Lucas.

Marcos, meu caro, tudo farei para um 2026 sem surpresas.

Aos leitores, um Feliz Ano Novo!

Eu voltei.

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