Editorial – Elite quer um novo Collor anti-Lula. Mas serve Lula

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 10/04/2017 14h31
BRA101. SAO PAULO (BRASIL), 15/03/2017.- El expresidente brasileño Luiz Inacio Lula da Silva ofrece un discurso durante una manifestación contra la reforma al régimen de jubilaciones propuesta por el presidente Michel Temer hoy, miércoles 15 de marzo de 2017, en Sao Paulo (Brasil). Cientos de miles de brasileños se manifestaron hoy en ciudades del país contra la reforma al régimen de jubilaciones propuesta por el presidente Michel Temer, quien salió en defensa de la iniciativa y dijo que busca evitar un "colapso". EFE/Fernando Bizerra Jr. EFE/Fernando Bizerra Jr. Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursa durante ato contra a Reforma da Previdência na Av. Paulista

Prestem atenção a esta provocação. Depois me estendo um pouco: a maioria do empresariado brasileiro quer, em 2018, um Fernando Collor que possa vencer Lula, mas o trocariam, de bom grado, pelo próprio… Lula. Ou alguém com a sua bênção.

Ficou escandalizado? Não fique. Já chego lá. Antes, algumas considerações.

Povo de direita
Há coisas realmente curiosas em curso. Em sua coluna na Folha desta segunda, bem escrita como de hábito, o esquerdista Celso Rocha de Barros aborda uma pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo, que é ligada ao PT. O título é uma maravilha: “Na periferia de São Paulo, ninguém sonha em morar na Venezuela”.

Reproduzo um trecho da coluna de Barros, que faz uma síntese do levantamento: “Os resultados da pesquisa, amplamente divulgados na imprensa, mostraram um morador de periferia que valoriza o empreendedorismo e a iniciativa pessoal, que apoia programas sociais, mas espera, sobretudo, que políticas públicas lhes abram possibilidades que eles mesmo explorem como acharem melhor”.

Tratei desse assunto neste blog no dia 26 de dezembro de 2012, com um acento que o meu colega esquerdista da Folha certamente não aprovaria. O título: “Pesquisa Datafolha evidencia outra vez: o brasileiro é conservador. Ou: Eleitores em busca de um partido”.

Tratava, então, de uma pesquisa publicada pelo instituto. As questões estavam mais relacionadas a comportamento, mas reproduzem um universo mental. Para a surpresa de muitos — Jair Bolsonaro deve ter ficado alarmado —, informava-se que 69% achavam que a homossexualidade deve ser aceita por toda a sociedade, contra 25% que disseram o contrário. Nada menos de 83% defendiam a proibição do uso de drogas, contra apenas 15% que se colocavam do outro lado.

Escrevi, então, o seguinte sobre a fraqueza da direita política brasileira: “No mundo inteiro, partidos políticos buscam eleitores. No país da jabuticaba, da pororoca e da Polícia Federal que faz greve quando trabalha (a tal ‘operação padrão’), dá-se o contrário: os eleitores estão em busca de um partido. Como ele não existe, os coitados vão se virando com o que há por aí… Uma nova pesquisa Datafolha prova pela enésima vez: a maioria do povo brasileiro, salvo numa questão ou outra, é conservadora. Nos países democráticos, civilizados, onde a palavra ‘direita’ não virou palavrão — e por que viraria quando nos lembramos de líderes como Churchill, Adenauer ou De Gaulle? —, essa gente seria considerada… ‘de direita’. Por aqui, tratam-se os números quase com certo pesar, como se o povo ainda estivesse tocado por uma espécie de má consciência”.

Vozes dissonantes
Barros usa os dados da pesquisa para puxar a orelha dos seus amigos de esquerda, que pregam, por exemplo, que o PT radicalize, ora, ora, à esquerda, certo? Como ele não é burro nem nada, sabe que o PT que venceu as disputas de 2002, 2006 e 2010 — em 2014, menos — fez uma campanha com acento muito mais à direita do que à esquerda. Os xucros nunca se deram conta disso. Nessas disputas, quem falava em ascensão social, aumento do consumo e valorização da propriedade era o… PT!!!

Dilma levou tudo à ruína — e Lula já havia feito a escolha errada no segundo mandato — quando radicalizou as feitiçarias econômicas que ignoravam a matemática e a aritmética. É uma tara dos tolos o desafio aos números. Ora, uma esquerda que radicalizasse o discurso partiria do erro, para ficar no simbolismo, de que o pobre prefere integrar uma milícia chavista em Caracas a subir na vida.

Bem, tudo vai depender de Lula. É demagogo o bastante para atacar a reforma da Previdência, mas é inteligente o bastante para impedir que seu partido vire refém dos malucos. Lula, anotem aí, mais uma vez, candidato ou não, vai fazer um discurso com acento conservador, “de direita”… Mas com acento conservador para os… pobres.

Barros é bem mais manso do que eu, parece… Mas estou certo de que ele reconhece a existência, segundo o seu ponto de vista, de uma esquerda xucra.

Direita xucra
E eu reconheço, também dissentindo de alguns pares do lado de cá, a direita xucra como a expressão da estupidez e do divórcio com o povo. Querem ver? Em 2012 — duvido que tenha mudado tanto assim —, 67% se diziam contrários à posse de armas “porque ameaça a vida de outras pessoas”; 30% afirmavam ser “um direito do cidadão para se defender”. Parte da direita brasileira, como se sabe, deu agora para pedir a revisão do Estatuto do Desarmamento. Pfui… Tédio profundo.

Não só: a permanente gritaria promovida pela direita raivosa contra a política e até contra as instituições conseguiu, como resta evidente, devolver a esquerda ao jogo eleitoral. Se esta seguir o caminho que vislumbra Barros, será competitiva, com chances reais de vitória. Se optar pela radicalização, a chance de se estabacar é grande.

Como é imensa a possibilidade de a direita se estatelar se não conseguir deixar claro para os brasileiros como é que pretende melhorar efetivamente a sua vida. Não me refiro a promessinhas “ad hoc”, não. Mas a um conjunto de valores que acenem para um futuro. Por enquanto, ouço apenas estridência e alarido das vozes mais salientes, boa parte delas mais dedicada a detonar as instituições do que a construí-las e a responder ao fascismo de esquerda com fascismo de direita.

Os xucros apenas tiraram o sarro do comportamento, digamos, buliçoso de Dilma em Harvard. Os espertos não fizeram por menos, mas perceberam que havia um esboço, ainda que à moda Dilma, de futuro.

De volta ao começo
E a minha frase? Pois é… Conversando aqui e ali, vai lá uma síntese que pode estarrecer. A exemplo de 1989, não são poucos os que anseiam por um novo Collor. Nem precisamos saber direito o que pensa e o que quer. Basta que se apresente como potencialmente vitorioso e que saiba quebrar a espinha do PT, de Lula, das esquerdas, “dessa gente”…

Acontece que todos esses vetustos senhores foram parceiros, amigos de fé, irmãos, camaradas de… Lula! Perguntem a boa parte do capital no Brasil se não gostaria de uma nova era de “bonança” à moda Lula. Ninguém como ele entendeu tão bem certos “conservadores” no Brasil. Podem ser calados com empréstimos do BNDES, com subsídios, com conversa ao pé do ouvido, com reserva de mercado…

Então ficam assim: ou um “anti-Lula”, que garanta tudo aquilo que Lula garantiria, com mais fineza e sem tanto apelo “à pobrada”. Ou o próprio Lula… Pode até vir a tal “pobrada” junto, desde que não os deixem ao relento. E isso Lula não fez nem faria.

Encerro
A conclusão é uma só. Setores importantes da elite brasileira, quase a sua totalidade, continuam a ter uma mentalidade bonapartista e essencialmente antidemocrática. Acredita mesmo que só o demiurgo pode dar um jeito nisso que está aí.

Ora, o único papel decente para um liberal, nesse quadro, é lutar para criar instituições que possam corrigir e conter os vícios dos políticos. Em vez disso, investe-se na procura de alguém que tenha condições de submeter as instituições a seus vícios.

É bonapartista, sim, mas daquele tipo mais à-toa — do Bonaparte que era apenas…sobrinho do tio!

PS: Ah, não custa lembrar! Tentar criar um “anti-Lula” só reforça as características demiúrgicas de… Lula! É uma tolice. Anotem aí.

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