Mancha, Império e Tucuruvi são destaques no carnaval; bicampeã de SP, Tatuapé tem problema em carro

  • Por Rafael Iglesias/Jovem Pan
  • 02/03/2019 07h18 - Atualizado em 06/03/2019 21h47
ALICE VERGUEIRO/ESTADÃO CONTEÚDO Um dos destaques da noite, Mancha Verde falou sobre racismo e intolerância religiosa

Mancha Verde e Acadêmicos do Tucuruvi foram os maiores destaques da primeira noite de desfiles do grupo especial do carnaval de São Paulo. Com fantasias luxuosas e detalhadamente trabalhadas, a atual bicampeã da folia de Momo teve problemas em dois carros alegóricos antes de entrar no sambódromo; um deles ficou com painel apagado.

Os dois destaques das apresentações iniciadas na sexta-feira (1) e encerradas na manhã deste sábado (2), na avenida do samba da zona norte, trataram de temas sociais. A primeira, sobre – ao falar de uma guerreira negra – discutiu o racismo e a intolerância religiosa. A segunda fez diversas críticas políticas ao levar à passarela um enredo sobre liberdade.

A Império de Casa Verde, com espetáculo sobre cinema, também levantou a torcida e pode ter potencial para disputar os primeiros lugares do campeonato. A grande surpresa da noite ficou por conta da presença de Arlindo Cruz no desfile em sua homenagem na X-9 Paulistana. A presença havia sido descartada ao longo da semana.

Recém-chegada do grupo de acesso, a Colorado do Brás fez um bonito desfile sobre o Quênia, levando ao sambódromo do Anhembi personagens queridos por todos, como Timão e Bumba, donos da frase que deu título ao enredo (Hakuna Matata). Contudo, apesar da força da comunidade, a escola compete com outras agremiações com mais recursos.

Colorado do Brás: homenagem ao Quênia

Primeira escola a desfilar no grupo especial, após 25 anos de espera, a Colorado do Brás deixou encerrou a apresentação com três minutos de folga. A agremiação mais compacta da noite levou à passarela o samba-enredo “Hakuna Matata, isso é viver” fez referência a uma frase dos personagens Timão e Pumba, do filme “O rei leão”.

O desempenho da escola, apesar da simplicidade em relação às concorrentes, foi satisfatório, e a bateria conduziu o espetáculo com paradinhas, maestria e componentes vestidos como tocadores de terreiros de religiões africanas. O desfile teve leões, gorilas e um carro alegórico com elefante – que foi empurrado para entrar na pista, mas tudo deu certo.

Casa Verde: a Império contra-ataca

A Império de Casa Verde levou o cinema à avenida do samba. Com o enredo “O império contra-ataca”, a agremiação fez referência à saga “Star Wars” para homenagear a telona, que completa 124 anos. O desfile acabou com menos de um minuto para o tempo máximo permitido e componentes aceleraram o passo e a velocidade de uma alegoria.

Algumas das fantasias foram pintadas com tinta automotiva, dando mais destaque e uma espécie de efeitos especiais à apresentação dos componentes. A escola animou a torcida, com grande qualidade. A madrinha de bateria, Lívia Andrade, era a princesa Leia.

A equipe carnavalesca tentou reconstruir o maior número possível de sucessos do cinema. Além de uma bateria de Darth Vaders, houve referências a clássicos como “Harry Potter” e “Avatar”, além de “Robocop”, “Indiana Jones” e “E.T.”.

Mancha Verde: a lenda de uma guerreira negra

Discutindo a escravidão, o direito do povo negro e das mulheres, além da intolerância religiosa, a Mancha Verde entrou na passarela do samba para apresentar um espetáculo e saiu como uma das principais postulantes ao título carnavalesco deste ano. O tema foi “Oxalá, salve a princesa! A saga de uma guerreira negra”.

A escola contou a história da princesa africana Aqualtune, a avó de Zumbi dos Palmares – representado por uma escultura, feita com canos de metal que pesava mais de duas toneladas. À frente da bateria, Viviane Araújo viu os mestres subirem em “escadas” como parte de uma coreografia para reger as centenas de ritmistas da afinada agremiação.

Uma das alas que arrepiou a arquibancada – mesmo os que não são palmeirenses – mostrou um mar vermelho do sangue de escravos. Outra exibiu passistas com mãos acorrentadas e barrigas de grávidas, em representação de escravas que eram utilizadas para reprodução. A escola retratou com majestade a realidade que assombrou o Brasil por anos.

Acadêmicos do Tucuruvi: lutas pela liberdade

Um ano depois de não ter sido julgada por causa de incêndio que destruiu fantasias, a Tucuruvi fez um desfile sobre liberdade. Na apresentação, chegou a tratar políticos como ratos. O enredo do carnavalesco Dione Leite, estreante na agremiação, abordou a luta pela liberdade desde a chegada dos portugueses no Brasil, causando a opressão dos indígenas, até a busca por direitos nos dias de hoje, tratando até de reforma trabalhista.

O samba-enredo, recheado de críticas sociais e políticas, também teve referências a músicas que fizeram sucesso na época da ditadura militar, como “Apesar de você” (Chico Buarque) e “Alegria, alegria” (Caetano Veloso). Assim como fez a Paraíso do Tuiuti no Rio de Janeiro, ano passado, houve ala com patos amarelos manipulados como marionetes – em referência a atos que culminaram no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016.

O tema foi “Liberdade, o canto retumbante de um povo heroico”, uma referência ao Hino Nacional do Brasil. Um dos carros alegóricos mostrou um navio negreiro – utilizado na época colonial e no império para transportar escravos africanos. Da escravidão, a escola passou pela abolição e chegou ao tropicalismo e aos caras pintadas que ajudaram a derrubar o ex-presidente Fernando Collor no fim de 1992.

Acadêmicos do Tatuapé: guerreiros do cotidiano

Atual bicampeã do carnaval de São Paulo, a Acadêmicos do Tatuapé levou da zona leste à avenida um samba sobre guerreiros. O enredo – do carnavalesco Wagner Santos – abordou especialmente a história brasileira para homenagear guerreiros do cotidiano. O título foi: “Bravos guerreiros – Por Deus, pela honra, pela justiça e pelos que precisam de nós”.

Em busca do terceiro caneco, a agremiação fez um espetáculo grandioso e cheio de luxo, com fantasias detalhadamente trabalhadas e carros alegóricos gigante, mas que tiveram problemas. Dois carros tiveram dificuldades para entrar na passarela, sem grandes efeitos sobre o andamento. Contudo, um deles desfilou com um painel de LED apagado. Esses problemas podem influenciar nas notas dos julgadores que estão no local.

Com quase 250 ritmistas – todos vestidos como trabalhadores da área de construção – a bateria realizou grandes paradinhas, para a vibração da torcida que tradicionalmente comparece em peso ao sambódromo, anualmente. Entre as alas, havia samurais, vikings, guerreiros egípcios e até bombeiros, professores e garis.

X-9 Paulista: homenagem a Arlindo Cruz

A tradicional X-9 Paulista homenageou um dos nomes mais importantes da música brasileira: Arlindo Cruz. E com uma grande surpresa. Ele não desfilaria, por motivos de mobilidade, mas acabou aparecendo no sambódromo e subiu no último carro, sorrindo o tempo inteiro. O cantor se recupera de acidente vascular cerebral sofrido em 2017.

Com o enredo “O show tem que continuar! Meu lugar é cercado de luta e suor, esperança num mundo melhor”, a agremiação buscou lembrar os 60 anos de vida de Arlindo. A comissão de frente mostrou a luta do artista contra o AVC, o que foi representado por meio de uma “briga” entre o bem e o mal do ponto de vista de religiões africanas.

Nas demais alas e alegorias – e nenhuma dela teve problemas – a escola de samba abordou toda a vida de Arlindo Cruz. Com origens africanas, ele passou pelo bloco Cacique de Ramos e no inesquecível grupo Fundo de Quintal. No ano passado, a X-9 ficou na 11ª posição, quase foi rebaixada, mas tem potencial para uma colocação melhor em 2019.

Tom Maior: filosofia e imaginação

Em tom maior, o carnavalesco André Marins decidiu colocar no samba-enredo uma frase do filósofo e matemático francês René Descartes: “Penso. Logo existo. As interrogações do nosso imaginário na busca do inimaginável”. A escola levou à avenida os principais questionamentos humanos, assim como a sede de conhecimento e a curiosidade.

Última escola a desfilar no primeiro dia de apresentações em São Paulo, a Tom Maior ficou em quarto lugar no ano passado, com a mesma pontuação da primeira colocada, a Acadêmicos do Tatuapé. Com sambódromo já esvaziado, a escola levantou o público com menor intensidade do que as anteriores, mas sem deixar de lado a qualidade do desfile.

Na comissão de frente, o carnavalesco brincou com a origem da vida: o homem nasceu de um ovo, depois teve uma costela tirada para dar origem a mulheres. De alguma forma, na arte, tudo isso derivou dos macacos. No último carro alegórico, a agremiação brincou com a vida após a morte ou quais as possibilidades para quando o coração para de bater.

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.