Mocidade e Vai-Vai se destacam no 2º dia de desfiles em SP; Gaviões impressiona e incendeia o Anhembi

  • Por Rafael Iglesias/Jovem Pan
  • 03/03/2019 07h00 - Atualizado em 06/03/2019 21h47
NEWTON MENEZES - ESTADÃO CONTEÚDO Último dia do grupo especial começou com Águia de Ouro e terminou com Gaviões da Fiel

A Mocidade Alegre foi o grande destaque do segundo dia de carnaval em São Paulo, com luxuoso desfile sobre uma lenda sobre a criação do Rio Amazonas. Igualmente, a Vai-Vai, com lutas do povo negro por direitos, levantou público até o último minuto de apresentação. Com majestoso desfile, a Gaviões da Fiel contou a história do tabaco.

A Vila Maria, homenageando o Peru, e a Rosas de Ouro, lembrando o holocausto do povo da Armênia, fizeram impecáveis desfiles na passarela do samba. Os desfiles iniciados do sábado (2) e encerrados neste domingo (3) ainda tiveram Águia de Ouro, falando sobre a corrupção na história do Brasil, e Dragões da Real, com a invenção do tempo.

Nenhuma escola estourou o tempo máximo para apresentações, de 65 minutos, nem desfilou por menos de 55 minutos – o período mínimo exigido. Houve dois problemas em carros: o último carro da Vila Maria trombou com uma torre de jurado; já o terceiro carro da Vai-Vai deslizou na pista antes de entrar no sambódromo, mas sem interferir na evolução.

A apuração dos resultados está marcada para as 16 horas da próxima terça-feira (5). Neste ano, o campeonato das agremiações tem uma nova nota mínima: nove e não mais oito. Além disso, a Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo definiu regra para que todas as notas – mesmo as descartadas – sejam consideradas em caso de empate.

Águia de Ouro: protesto contra a corrupção

Grande campeã do grupo de acesso no ano passado, a Águia de Ouro falou sobre um tema que está no centro do debate da população há alguns anos: a corrupção – com direito a referência à Operação Lava Jato. O samba tem 11 compositores e o enredo, assinado por quatro carnavalescos, teve o título: “Brasil, eu quero falar de você! Que país é esse!”

A escola da Pompeia desfilou com 26 alas e 2,3 mil componentes, que se apresentaram entre vampiros, urubus e ratos – representações da corrupção. Com uma bateria de qualidade tradicional, a Águia fez diversas paradinhas para que os presentes pudessem cantar que a “Liberdade é uma quimera / Viver livre quem me dera”.

A agremiação passou por diversos momentos da história brasileira – desde a chegada dos portugueses, que exploraram as riquezas brasileiras e afetaram a vida os índios, até a exploração social representada na ala mirim, com crianças vestindo roupas em farrapos. Por fim, com grande qualidade, tratou de desigualdades, fome e miséria.

Dragões da Real: uma história do tempo

A Dragões da Real realizou um grandioso espetáculo na avenida do samba falando sobre o tempo. Com o carnavalesco Mauro Quintaes, o tema da agremiação foi “A invenção do tempo – Uma Odisseia em 65 minutos”. Já no título, a escola fez o enredo se referir é ao tempo-limite de duração dos desfiles de carnaval paulistanos.

Com 2,6 mil componentes e 21 alas, a agremiação teve relógios e ampulhetas por toda a apresentação. Senhor do tempo, o deus grego Cronos apareceu logo no primeiro carro alegórico, apesar de ter sido combatido pelos filhos olimpianos. A grande referência foi o filme “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, de 1968, já na comissão de frente.

A Dragões também explorou outros temas no desfile, como o dinheiro e a teoria da relatividade (houve um carro com Albert Einstein). Sem problemas aparentes na execução do enredo, mas algumas falhas comuns no andamento da evolução dos componentes, a escola pode concorrer por boas posições na tabela final do campeonato momesco.

Mocidade: o amor entre o sol e a lua

Uma das maiores campeãs do carnaval de São Paulo e favorita ao troféu deste ano, a Mocidade Alegre levou o folião ao norte do país para contar uma lenda: “Ayakamaé – As águas sagradas do sol e da lua”. Diz a história que sol e lua eram amantes, mas nunca conseguiam se encontrar. Então, a lua começou a chorar essa tristeza.

É dessas lágrimas de dor, então, que nasce o Rio Amazonas. Toda essa história romântica, embora não inédita no carnaval, foi mostrada com luxo e fantasias cuidadosamente preparadas em 23 alas e com o empenho de 3,5 mil componentes. A Morada do Samba desfilou com bateria majestosa e samba-enredo que fez vibrar forte o público do Anhembi.

O deus Guaraci (sol) e a deusa Jaci (lua) foram representados em diversos elementos da apresentação, desde a comissão de frente, que investiu em elementos indígenas e naturais. Não só ao amor o desfile se resumiu. Houve ainda o destaque de fenômenos da região amazônica, como a Piracema (encontro de águas), vitória-régia e mandioca.

A emoção no desfile, impecável, foi tão grande que a presidente da Mocidade, Solange Cruz Bichara Rezende, se sentiu mal e foi atendida em uma ambulância no próprio sambódromo. Na última alegoria, detalhadamente trabalhada em esculturas e fantasias, a escola mostrou o entardecer: o momento em que os amantes da história se encontram – refletidos no rio.

Vai-Vai: o quilombo do futuro

Com 15 troféus no barracão, a Vai-Vai – maior campeã do carnaval paulistano – desfilou a cultura africana na passarela do samba para exaltar a luta da população negra pela igualdade. A agremiação do Bixiga apresentou a criatividade dos carnavalescos Hernane Siqueira e Roberto Monteiro sob o título “Vai-Vai, o quilombo do futuro”.

Com 3 mil componentes divididos em 26 alas, a escola contou com a maior bateria do carnaval paulistano, com 303 ritmistas. Com a tradicional majestade, o grupo conduziu o enredo sobre a luta dos negros que lembrou Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro pelo PSOL, assassinada há um ano – em caso ainda sem esclarecimento.

A escola desponta como uma das favoritas ao título. Apesar disso, antes de entrar na passarela, teve problemas com o terceiro carro alegórico, que deslizou na pista. O problema foi resolvido sem impactar na performance da agremiação. Com a voz de Grazzi Brasil à frente do samba, o desfile terminou com 63 minutos e dois de folga.

A escola homenageou o movimento Panteras Negras, que lutou contra o preconceito racial nos Estados Unidos. Em outros setores, a alvinegra também apresentou uma escultura do ex-presidente norte-americano Barack Obama, além de ter levado à avenida alas impactantes mostrando a crueldade da escravidão imposta aos africanos.

Rosas de Ouro: uma homenagem à Armênia

A tradicional Rosas de Ouro usou a alegria do carnaval para homenagear mais de 1,5 milhão de pessoas que morreram no holocausto armênio, causado por turcos há um século. O samba “Viva Hayastan” lembra o nome do país no idioma local e tem teve assinatura do carnavalesco André Machado, com 2,3 mil componentes e 19 alas.

A história foi lembrada da comissão ao fim do desfile, incluindo uma homenagem ao cantor Charles Aznavour, um francês de origem armênia que morreu no ano passado. Outro tópico lembrado pela agremiação é a Praça Armênia, onde fica uma estação do metrô. Ali era a concentração de sambistas no carnaval, antes da existência do sambódromo.

Após ataques do Império Otomano, com o genocídio, a população armênia se espalhou pelo mundo, o que foi representado com luxo nas fantasias da agremiação. O país é considerado o primeiro no mundo a adotar o cristianismo, fato que foi destacado pela Rosas, assim como danças e culinária típicas. A escola deve se manter no grupo especial.

Vila Maria: a cultura peruana

Escola da zona norte, a Vila Maria levou o folião à cultura e às belezas naturais do Peru: “Nas asas do grande pássaro, o voo da Vila ao império do Sol”. O título é uma referência ao povo Inca, que acreditava que o rei era um descendente do Deus Sol, chamado de Inti. Esse ser religioso era representado por um grande pássaro.

Com 2,9 mil componentes em 22 alas, a escola viu seu último carro alegórico bater contra uma torre onde ficam os jurados, bem no fim da apresentação, que foi concluída – apesar disso – com êxito e dentro do limite de tempo. Com fantasias bem desenhadas, o samba-enredo empolgou a torcida incansável em menor intensidade.

Na comissão de frente, a agremiação mostrou seres míticos peruanos, como os guardiões do Deus Sol – que era metade homem e metade pássaro. As alegorias grandiosas apresentaram aspectos da cultura peruana, como a produção de grãos e elementos religiosos, bem como animais. O segundo carro, por exemplo, era “puxado” por lhamas.

Gaviões: a história do tabaco

Os gaviões da fiel aguardaram durante toda a madrugada o grito de guerra do intérprete Ernesto Teixeira ecoar pelo Anhembi, anunciando o início de um dos desfiles mais esperados da noite. “A saliva do santo e o veneno da serpente” é um enredo reeditado. Ele foi apresentado pela primeira vez em 1994 – e a escola foi vice-campeã.

Vinte e cinco anos depois, o carnavalesco Sidnei França decidiu reapresentar o tema, com 3,2 mil componentes divididos em 25 alas com fantasias luxuosas e detalhadamente trabalhadas, especialmente nas colorações, que se destacaram em relação ao azul claro do céu já claro. A luta entre o bem e o mal foi marcante em todo o desfile.

A comissão de frente impressionou o público com um combate entre anjo e demônio, que contou com uma serpente (representando o mal) e Jesus Cristo, que chegou a ser arrastado – de verdade – na passarela. Em parte, o espetáculo mostrou que o direito de fumar foi uma das primeiras conquistas femininas após lutas por direitos no mundo.

O segundo carro mostrou a história de que a rainha consorte da França Catarina de Médici. Ela teria se curado de dores de cabeça usando rapé misturado com grãos de café. A Gaviões também mostrou o uso do fumo em rituais africanos. Para encerrar, mostrou um cérebro para falar de dependência química, ressaltando que cada um é juiz de seus atos.

Relembre a primeira noite de desfiles

Mancha Verde e Acadêmicos do Tucuruvi foram os maiores destaques da primeira noite de desfiles do grupo especial do carnaval de São Paulo. Com fantasias luxuosas e detalhadamente trabalhadas, a atual bicampeã, Acadêmicos do Tatuapé, teve problemas em dois carros alegóricos antes de entrar no sambódromo; um deles ficou com painel apagado.

Os dois destaques das apresentações iniciadas na sexta-feira (1) e encerradas na manhã deste sábado (2), na avenida do samba da zona norte, trataram de temas sociais. A primeira, sobre – ao falar de uma guerreira negra – discutiu o racismo e a intolerância religiosa. A segunda fez diversas críticas políticas ao levar à passarela um enredo sobre liberdade.

A Império de Casa Verde, com espetáculo sobre cinema, também levantou a torcida e pode ter potencial para disputar os primeiros lugares do campeonato. A grande surpresa da noite ficou por conta da presença de Arlindo Cruz no desfile em sua homenagem na X-9 Paulistana. A presença havia sido descartada ao longo da semana.

Recém-chegada do grupo de acesso, a Colorado do Brás fez um bonito desfile sobre o Quênia, levando ao sambódromo do Anhembi personagens queridos por todos, como Timão e Bumba, donos da frase que deu título ao enredo (Hakuna Matata). Contudo, apesar da força da comunidade, a escola compete com outras agremiações com mais recursos.

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