Representatividade étnica de Bélgica x França é positiva e pode ajudar fora de campo

  • Por Renato Barcellos/Jovem Pan
  • 10/07/2018 13h02 - Atualizado em 10/07/2018 14h09
EFE Os atletas Antoine Griezmann e Kylian Mbappé estão entre os "estrangeiros" presentes em campo na partida

França e Bélgica se enfrentam pela semifinal da Copa do Mundo nessa terça-feira (10), em São Petersburgo, às 15h. Apesar do confronto ser europeu, poderia muito bem ser um embate pela Copa Africana de Nações. Isso porque 30 dos 46 convocados não nasceram no país que defendem ou têm raízes oriundas de outras nações, principalmente na parte norte do continente africano, onde boa parte dos países foi colonizada pela França ou Bélgica.

Dos 23 atletas convocados para defender a seleção francesa, 19 não nasceram no país ou têm pais e avós refugiados na França. Congo é a nação mais representada com três atletas, seguido por Camarões e Mali com dois, e, Marrocos, Monte Carlo, Espanha, Martinica, Angola, Guiné, Togo, Argélia, ItáliaGuadalupe e Mauritânia com um. O atacante Antoine Griezmann escolheu defender a França, mas poderia ter optado por Alemanha ou Portugal.

Pela lado da Bélgica, o número de estrangeiros é menor. Mas mesmo assim ainda chama bastante a atenção. Dos 23 jogadores que venceram o Brasil nas quartas de final, 11 não nasceram no país ou descendem de outro lugar. Assim como ocorre com os franceses, Congo é a nação mais representada com quatro atletas, seguido por Marrocos com dois, e, Kosovo (atualmente Sérvia), Mali e Inglaterra com um. O meia Yannick Ferreira-Carrasco poderia ter escolhido defender a Espanha ou Portugal ao invés da Bélgica.

Não é de hoje que algumas seleções europeias são formadas por jogadores de outras regiões. A própria França, campeã mundial em 1998, continha atletas que não eram de lá. Entretanto, a aceitação há 20 anos era muito menor. “Ainda há muita resistência em relação a isso. A Frente Nacional, partido de extrema-direita, quando tinha o pai de Marine Le Pen a frente do poder, disse que o título não merecia comemoração devido aos negros na seleção francesa”, relembra o professor de história e comentarista da Jovem Pan Marco Antonio Villa.

Muitas vezes, associamos essa xenofobia,racismo e antissemitismo ao nazismo alemão, mas o Professor Villa lembra que isso começou na França. “Na verdade, a matriz do antissemitismo e do racismo alemão é francês. Na segunda metade do século XIX, existe uma construção de teorias racistas na França enorme, e elas acabam sendo exportadas para toda a Europa. Isso ainda está muito presente na França”, comenta.

Outra coisa que chama a atenção do Professor Villa é a representatividade dessa diversidade étnica. “No caso de Paris, esses atletas moravam nas periferias. Então é a presença da periferia como representante da França. São pessoas de outros extratos sociais, não das frações das classes médias. Isso é uma questão muito importante tanto no campo étnico quanto no social”, finalizou.

Por mais que a xenofobia possa crescer com a Frente Liberal no poder, isso não parece acontecer no campo dos esportes. Em artigo publicado em 2016 na revista Trivela, o jornalista Bruno Bonsanti explica como os torcedores dos Les Bleus não se importam com a nacionalidade ou cor de pele dos atletas. “O primeiro negro a defender o time nacional foi Raoul Diagné, um descendente de senegaleses que nasceu na Guiana Francesa. Disputou a Copa de 1938 ao lado de outros dois descendentes africanos. O time de 1958 tinha Raymond Kopaszewski, filho de imigrantes poloneses, e Just Fontaine, nascido no Marrocos quando o país ainda tinha status de protetorado francês”, conta.

Apesar disso, existem pessoas que ainda acreditam que esse preconceito ocorra na seleção francesa. É o caso do ex-jogador Eric Cantona. O francês com descendência catalã e italiana disparou contra o técnico Didier Deschamps durante a Eurocopa por não ter chamado dois jogadores de origem africana. “Benzema e Ben Arfa são ótimos, mas é o Deschamps quem tem um nome francês ‘de verdade’. Talvez ele seja o único na seleção francesa que tenha um nome verdadeiramente francês. Ninguém na família dele se misturou com pessoas de outras raças, sabe? É como os mórmons nos Estados Unidos”, criticou Cantona em entrevista ao The Guardian.

Uma coisa que comprova o pensamento de Cantona é o pedido público, feito pelo ex-Primeiro-Ministro da França Manuel Valls, de deixar Benzema de fora da Eurocopa de 2016. O ex-jogador do Manchester United associou o pedido de Valls a não ida de Ben Arfa para Euro. “Não estou surpreso que ele usou a situação de Benzema para não o chamar, especialmente depois que Valls disse que ele não devia jogar pela França. Ben Arfa hoje é melhor jogador em atividade na França. Mas eles têm as mesmas origens… Acho que posso me permitir pensar desta maneira”, comentou. Curiosamente, Valls é descendente de espanhóis e suíços.

Acompanhe a cobertura completa da Copa do Mundo 2018 pela Jovem Pan.

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