Anistia Internacional aponta “graves violações” aos direitos humanos no Brasil

  • Por Agência Estado
  • 23/02/2016 21h50
BIE - Banco de imagens externas: Vista aérea da Bandeira Nacional. Uma gigantesca bandeira nacional pende continuamente no mastro da Praça dos Três Poderes, em Brasília. Feita de náilon paraquedas, ela tem 20 metros de comprimento e 14 metros de altura. São 280 metros quadrados. Desde 2000, uma empresa de Cascavel (PR) confecciona a bandeira, que é trocada todo mês. Diz Sérgio Tomasetto, proprietário da fábrica: - Grande parte das bandeiras tem o preto e o vermelho, que indicam que o país enfrentou guerra. A nossa, não. O verde e o amarelo formam uma combinação singular, que torna a nossa bandeira bela, emocionante e inconfundível. Jefferson Rudy/Agência Senado Bandeira do Brasil

Chacinas na periferia de capitais brasileiras, assassinatos cometidos por policiais fora de serviço, PMs fardados que mexem na cena de crimes para maquiar execuções ou matam suspeitos atirando-os de cima do telhado, além de uma agenda Legislativa conservadora, fizeram a Anistia Internacional, entidade de defesa dos Direitos Humanos, colocar o Brasil em uma lista de nações que desrespeitam os marcos de proteção à integridade das pessoas. Outro país que está na lista é a Síria, que se encontra em guerra civil e tem a presença em seu território do grupo terrorista Estado Islâmico.

Junto aos problemas apontados por um relatório divulgado nesta terça-feira, 23, está o fato do governo brasileiro não ter se candidatado à reeleição para um assento no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). O Itamaraty discorda e diz que, apesar de não “ter condições de comentar um relatório a que não teve acesso”, informou que “a decisão de não se candidatar está em linha com compromisso informal dos Estados, desde o estabelecimento do conselho, em 2005, de evitar a reeleição imediata, estimulando, assim, maior rotação”.

Em agosto, 19 pessoas foram assassinadas e cinco ficaram feridas em ataques em Osasco e Barueri. Policiais militares e um guarda civil foram presos acusados de participar da maior chacina da história do Estado de São Paulo, que teria sido motivada como vingança ao latrocínio de um policial militar em Osasco e um guarda civil em Barueri

O documento da ONG aponta outras “graves violações”. Além dos crimes praticados por agentes de segurança de farda ou fora de serviço, a entidade diz acreditar que o País está “na contramão” de garantias constitucionais de direito ao aborto em situações de estupro e má-formação do feto e nas discussões sobre a redução da maioridade penal e demarcação de terras indígenas no âmbito Legislativo. No campo dos ministérios, a Anistia cobra o Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH).

Segundo Atila Roque, diretor executivo da entidade no Brasil, o País abrir mão de um cadeira na ONU “é frustrante” para as grupos de Direitos Humanos. “Vai contra o que esperávamos do governo de valorizar e estar centrado nas questões. É incompreensível a nação não promover esses valores, em um país que se mostra relevante.”

A Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo informou que só vai comentar o relatório quando tiver acesso a ele.

Facilitador de impunidade

Para o representante, existe uma cultura de impunidade com policiais que matam em serviço – e fora dele. Utilizando dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a Anistia Internacional afirma que “o governo não apresentou um plano nacional concreto” para a redução de homicídios. De acordo com o relatório, em 2014 foram mais de 58 mil pessoas assassinadas, contra 398 policiais mortos. A entidade diz que mais de 3 mil vítimas foram mortas por policiais: aumento de 37% em relação ao ano anterior.

“É um sistema de Justiça que criou condições para a execução. Não controla, não fiscaliza e as instâncias do Judiciário não punem. Há uma situação de impunidade e deixa o profissional de segurança em condição trágica de algoz e vítima do sistema. No limite, ele é responsabilizado pelo crime decorrente de um sistema que funciona para que isso aconteça”, afirmou Roque. A entidade cita o caso das chacinas nas cidades de Osasco e Barueri, na Região Metropolitana de São Paulo, em agosto do ano passado, que deixaram 19 mortos.

Em setembro do ano passado policiais militares em serviço executaram duas pessoas em uma mesma ação, adulteraram a cena do crime e colocaram armas de fogo na mão dos suspeitos. O caso ocorreu no Butantã, na zona oeste da capital paulista, e terminou com a morte de Fernando Henrique da Silva, morto baleado, e de Paulo Henrique Oliveira, que foi rendido em cima de um telhado enquanto fugia e depois atirado de uma altura de oito metros. Procurado, o Ministério da Justiça afirmou não poder “comentar um relatório” que não teve acesso.

Legislativo conservador

O relatório aponta que bancadas conservadoras do Congresso Nacional em Brasília são negativas para os direitos humanos, citando exemplos como a aprovação pela Câmara da redução da maioridade penal e projetos de lei em tramitação que restringem o acesso ao aborto legalizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em casos de estupro e má-formação do feto.

“Parece que no rastro de uma liderança (o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, do PMDB) e da dificuldade do governo de fazer uma pauta mais articulada, abriu-se espaço para uma combinação de forças conservadoras. É a formação de uma frente para uma ação bastante agressiva de reversão de algumas conquistas que são históricas na nossa transição da Ditadura para o Estado democrático de direito”, disse o diretor executivo da Anistia Internacional. Segundo ele, vive-se no Brasil um “risco de retrocesso” porque as medidas classificadas como “conservadoras” ainda não foram aprovadas.

Ao longo do dia, a reportagem entrou em contato com o deputado federal Paulo Pimenta (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos do Congresso Nacional. Nas vezes que ele atendeu o telefone, o parlamentar disse estar “ocupado” e não comentou o relatório da ONG. A assessoria de imprensa da Presidência da República também afirmou “não ter condições de comentar um relatório a que não teve acesso direto”.

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.