Da fome ao desperdício, hábito de “comer com os olhos” faz muita comida ir ao lixo no Brasil

  • Por Jovem Pan
  • 16/10/2016 12h10

Desde a colheita Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo Desde a colheita

16 de outubro é o dia mundial da alimentação. Em um planeta que tem 800 milhões de famintos, muita gente ainda escolhe os alimentos pela estética. Acompanhe agora na reportagem especial de Mariana Grilli e Helen Braun.

“Alguns materiais de origem orgânica, como tomates e provas de história, são dados aos porcos como alimento. Aquilo que foi considerado impróprio para a alimentação dos porcos será utilizado na alimentação de mulheres e crianças”*

“Ilha das Flores”*, um documentário da Casa de Cinema de Porto Alegre lançado no ano de 1989, retrata um Brasil miserável em que, para cada grupo de mil crianças nascidas vivas, 61 não iriam completar nem cino anos de idade.

Depois disso, a mortalidade infantil, um dos mais fortes indicadores das condições de vida e de saúde de uma população, caiu. No ano passado, para cada mil brasileiros nascidos vivos, 17 não sobreviveram.

Por trás desse índice está um fator de que quem nasceu depois dos anos 2000, talvez nem tenha conhecimento: a fome.

Mas se a falta de comida deixou de ser um problema no País, agora, o outro lado da balança está pesando – literalmente. Segundo a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade, 15% das crianças estão acima do peso. Os motivos? Um deles, sem dúvida, é que, desde muito cedo, elas aprendem a “comer com os olhos”. E aí, já viu né? A preferência é sempre de doces, chocolate, sorvete…

Nutricionista da escola de educação infantil Be Living, na capital paulista, Cristiane Cedra tem justamente o desafio de mudar este comportamento dos pequenos.

“Conforme o número de repetições de um alimento novo, a criança aprende a gostar”, explica Cristiane, que treina a degustação de comidas mais saudáveis com as crianças. “A gente mostra o alimento para a criança, por exemplo, o brócolis. Mostra ele sem preparar, faz a criança segurar, cheirar, e aí mostra o cozido, preparado, para elas compararem. Aperta um, é duro. O outro, é mole. Pergunta se o cheiro é bom…”.

Desperdício

Mas não pense você que essa coisa da estética dos alimentos está só com as crianças de apartamento.

Flávio Miyamoto, na cidade de Mogi das Cruzes, há mais ou menos 60 km de distância da capital paulista, produz caqui, ameixa, pêssego e outras frutas. Ele conta que desde o pé já seleciona as frutas e “azeitona pequena já é derrubada do próprio pé”.

Depois, as frutas vêm parar no Ceagesp, e de lá elas vão para horitfutigranjeiros de toda a cidade. Seu Miyamoto conta que neste trajeto muito alimento se perde, com a mercadoria chegando com aparência de “cansada”.

“Se tiver amassada você compra? Não compra”.

E é assim, como numa passarela, que a comida acaba desfilando nas prateleiras dos supermercados, armazéns, hortifrutigranjeiros do país.

Embelezamento

Engenheiro agrônomo da Bayer, Alessandro Moretto tem como missão tentar dar essa carinha mais bonita para as frutas, verduras e legumes nossos de cada dia.

Tudo para minimizar os impactos do desperdício. “O grande impacto de desperdício começa da produção”, diz. “E hoje a gente está num mundo que consome com os olhos. Infelizmente a gente não consome um alimento que a gente acha que está bom. A gente tem que consumir um alimento que está bonito”, explica.

Coordenadora de Nutrição da ONG Banco de Alimentos, Camila Kneip está acostumada a lidar com dados que ficam na casa dos milhões e bilhões. O problema é que esses números grandões são referentes ao desperdício.

“No mundo 1,3 bilhão de toneladas de alimentos são desperdiçados por ano, o que dá ao equivalente de mais ou menos US$ 750 bilhões de dólares de desperdício”, conta.

A agência da ONU para a alimentação e agricultura, a FAO, estima que o mundo tem hoje quase 800 milhões de pessoas passando fome.

Pois é: se a gente pegasse um quarto de tudo isso que é jogado fora dava para alimentar todos os famintos.

Nós temos bananas, jabuticabas e um montão de delícias naturais com qualidade reconhecida em todos os lugares.

Ainda assim, um levantamento da AKATU, uma ONG que trabalha buscando conscientizar as pessoas para a necessidade de darmos um fim a este desperdício, estima que no Brasil 41 mil toneladas de comida são jogadas no lixo – todos os dias.

É tentando reverter essa situação que a Gabriela e o Caio aprendem, já na primeira infância, que comida precisa ser tratada como uma experiência, que abre portas para um mundo cheinho de novos aromas e sabores.

“Eu gosto dos legumes e dos vegetais”, diz Caio. Já Gabriela prefere uvas e laranjas.

Reportagem especial de Mariana Grilli e Helen Braun

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