“Decisões sigilosas são próprias do regime inquisitorial”, diz juiz que proibiu votação secreta

  • Por Jovem Pan
  • 14/10/2017 12h29 - Atualizado em 14/10/2017 12h37
Geraldo Magela/Agência Senado Geraldo Magela/Agência Senado Senador investigado na Lava Jato após pedir dinheiro para Joesley Batista, Aécio Neves está afastado do cargo por decisão da 1ª Turma do STF

Ao aceitar ação popular impetrada pela União Nacional dos Juízes Federais (Unajuf) proibindo liminarmente a votação secreta do Senado sobre o afastamento de Aécio Neves (PSDB-MG), marcada para a próxima terça-feira, o juiz federal Márcio Luiz Coelho de Freitas, do Distrito Federal, citou decisões semelhantes em votações sobre a prisão em flagrante de Delcídio do Amaral e no processo de impeachment de Dilma Rousseff.

Para o magistrado, votar secretamente é uma atitude “própria do regime inquisitorial”.

O juiz fala sobre a importância de processos penais serem públicos. “Revela-se que, por se tratar da discussão acerca da eficácia de uma medida cautelar criminal, a adição de um procedimento público para decisão é reflexo até mesmo do sistema acusatório que foi implicitamente adotado pela nossa Constituição, já que decisões sigilosas são próprias do regime inquisitorial”, escreveu.

No direito, sistema inquisitorial é aquele em que o julgador participa das investigações. É o contrário do regime acusatório, em que as partes, como acusado e Ministério Público, produzem a provas, que são submetidas a um juiz imparcial.

O juiz argumenta que a votação aberta pode ser até benéfica a Aécio Neves, ao contrário do que diziam os autores da ação, que manifestaram o perigo de o sigilo ser articulado para livrar o tucano.

“Não se pode perder de vista a possibilidade, pelo menos em tese, de que esta modalidade de votação (secreta) seja utilizada como forma de mascarar revanchismos políticos ou até questões pessoais, de modo que também sob a perspectiva da tutela dos interesses do parlamentar deve ser assegurada a publicidade da votação”, escreveu.

Coelho de Freitas também defendeu o meio da ação popular para impedir a possível ação do Senado. “O cidadão tem o direito de fiscalizar e de exigir bons serviços e uma administração cuja atuação seja caracterizada pela honestidade e moralidade”, disse.

Dilma e Delcídio

O juiz cita de forma análoga voto do ministro do Supremo Luis Roberto Barroso impedindo a votação fechada durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Na época, Barroso disse que “cada votação secreta está a encobrir barganhas e acordos pouco republicanos”.

O magistrado conclui a decisão com trecho do mandado de segurança concedido pelo ministro Edson Fachin em 2015 em que determinou que a votação sobre a ordem de prisão em flagrante de Delcídio do Amaral (então do PT) fosse pública. “Não há liberdade para à Casa Legislativa em estabelecer, em seu regimento, o caráter secreto dessa votação”, declarou o Supremo. Naquela época, o Senado confirmou a prisão determinada pelo STF.

Crítica velada à decisão do STF

O juiz critica ainda a possibilidade de o Congresso revogar medidas cautelares aplicadas a senadores. “Não me parece que a função do Senado Federal seja a de rever decisão acerca de medida cautelar de natureza criminal que tenha sido aplicada pelo Poder Judiciário a um parlamentar”, destacou, entendendo como “plenamente eficaz” a decisão judicial aplicada a um réu ou investigado. O STF, no entanto, decidiu na última quarta (11), por 6 votos a 5, que o Congresso pode referendar ou não medidas cautelares que impeçam o deputado ou senador de exercer o mandato.

Mesmo reconhecendo esta possibilidade, Coelho de Freitas pondera ainda que a prerrogativa do Congresso de afastar a aplicação de medidas cautelares “representa uma exceção ao princípio da isonomia, uma vez que se trata de um regime jurídico-penal diverso daquele ao qual estão submetidos os demais cidadãos, que necessariamente deverão recorrer ao próprio Poder Judiciário se quiserem afastar uma medida cautelar”.

“Assim sendo, tratando-se de medida excepcional, tenho que seu exercício, para ser legítimo do ponto de vista do regime democrático, deve se dar mediante sessões públicas e voto aberto, de modo a possibilitar o controle popular acerca dos atos de seus representantes eleitos”, afirmou.

“Silêncio retumbante”

O autor da ação acatada liminarmente, federal Eduardo Luiz Rocha Cubas, presidente da Unajuf, lembra em seu pedido que a uma emenda constitucional de 2001 alterou o artigo 53 da Constituição, excluindo do texto da lei máxima do país a expressão “pelo voto secreto da maioria de seus membros”. O artigo é o que determina o aval do Legislativo sobre a prisão em flagrante de deputados e senadores.

O juiz Coelho de Freitas acolheu o argumento. “Há atualmente na Constituição um silêncio retumbante, que deixa clara a opção do Constituinte pela publicidade da votação”, disse.

Aécio

Aécio Neves foi denunciado por corrupção passiva e obstrução da Justiça no âmbito da Lava Jato no STF após ter sido gravado pelo delator Joesley Batista pedindo R$ 2 milhões. Seu primo, Frederico Pachego, “Fred”, e sua irmã, Andrea Neves, também são alvos da denúncia.

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