Dirceu relata dia a dia da prisão em Curitiba e defende que Lula deixe isolamento

  • Por Jovem Pan
  • 20/04/2018 13h21 - Atualizado em 20/04/2018 13h22
EFE/Hedeson Alves EFE/Hedeson Alves Dirceu contou que ouviu na cadeia o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci prenunciando: "O Leo (pinheiro, ex-executivo da OAS) vai salgar Lula"

Em longa entrevista à colunista da Folha Mônica Bergamo publicada nesta sexta-feira (20), o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (PT) contou como é a rotina dos presos da Lava Jato no Complexo Médico Penal de Pinhais, em Curitiba.

Dirceu também comentou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que cumpre pena isolado em sala especial na Superintendência da Polícia Federal da capital paranaense, “vai se adaptando” à rotina do cárcere, mas defende que Lula comece a viver com outros custodiados.

“Acho que raramente um ser humano suporta ficar um ano num banheiro e quarto vendo três vezes por dia alguém trazer comida para ele. Agora surgiu a ideia de o Lula ir para um quartel. Seria pior ainda. Porque eles não que em ninguém lá. A função do quartel não é ser presídio. Ele vai ficar mais isolado”, disse Dirceu sobre a situação atual de Lula.

“Ele deve conviver com outras pessoas, pensar o país, pensar no que está acontecendo. Ele não está proibido de fazer política só porque está preso”, afirmou o petista.

“Se o Lula vier para a sexta galeria [unidade do complexo penal em que Dirceu ficou detido], verá que é uma convivência normal. É muito raro ter um incidente. E na prisão você conversa, aprende muita coisa. As pessoas têm muito o que ensinar”, sugeriu o ex-ministro do colega petista.

“Às vezes você acredita no mito que criam sobre você. Que você é especial, que teve uma vida, no meu caso, que dá até um filme. Mas você começa a conversar com um preso comum, e descobre que é fantástica a vida de cada um lá”, disse Dirceu.

O ex-ministro diz que “fez de sua vida o Lula” e se manteve fiel ao ex-presidente embora tenha tido muitas oportunidades de romper com ele.

Dirceu elogiou a “resistência simbólica” que Lula fez em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC por dois dias antes de se entregar à Polícia Federal.

Dirceu diz que chorou quando descobriu que Lula estava com câncer em 2011, mas não repetiu o gesto agora, com a prisão do companheiro.

Perspectiva de nova prisão

José Dirceu está em casa, mas deve voltar para a cadeia em breve após o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) rejeitar os embargos infringentes de sua defesa em condenação a mais de 30 anos na Lava Jato.

Dirceu disse que vai se preparar “para continuar fazendo política” e disse que sua vida “é o PT e o projeto que o Lula lidera”. “Eu não posso me render ao fato de que vou ser preso”, declarou.

Considerando a “hipótese” de nunca mais sair da prisão, o ex-ministro faz planos: “ler, estudar e fazer política”.

“Eu tenho que cumprir a pena. Eu não posso brigar com a cadeia. O preso que briga com a cadeia cai em depressão, começa a tomar remédio”, descreve.

Diário de um detento

Na entrevista, Dirceu relata que chegou com depressão ao Complexo Médico Penal de Pinhais, em Curitiba, e conta conselhos que ouviu na prisão: “eles (presos antigos) dizem: “Já chorou bastante? Já rezou? Já chamou mamãe? Já leu a Bíblia? Então agora, cidadão, começa a trabalhar! Arruma emprego aqui dentro pra fazer remissão (da pena). Estuda, viu? Outra coisa: arruma a tua cela. Transforma aquilo num mocozinho seu, num apartamentinho, põe fotografia da tua filha, põe a bandeira do teu time. Limpa ela direitinho, melhora o que você come. Joga futebol”.

Dirceu contou também que na prisão conviveu até com um pedófilo condenado a mais de 100 anos de cadeia, “chefe de um setor”.

O petista disse também que “há uma solidariedade” entre os presos. “Vamos evitar que o velhinho pegue sarna, vamos limpar a cela dele, vamos levar ele para tomar banho”.

Sobre o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB), com quem conviveu em Curitiba, Dirceu diz que o emedebista é “muito disciplinado”, “conhece a Bíblia profundamente”, frequenta o culto e se dedica a estudar os processos nos quais é acusado.

Juntos, eles lavam os corrimões, banheiros, portas e galeria do setor da cadeia. “Tem que limpar o xadrez todos os dias para evitar doenças”, destaca Dirceu.

Dirceu classificou a comida da penitenciária de Curitiba como “simples, mas honesta”. Ele trabalhou na biblioteca, onde diz ter lido “100 livros” em um ano e nove meses de cárcere, além de trabalhar nos escritos manuais de um diário.

“Leo vai salgar Lula”

Dirceu contou que ouviu na cadeia o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci prenunciando: “O Leo (pinheiro, ex-executivo da OAS) vai salgar Lula (ele contou que a empresa pagou a reforma do tríplex do Guarujá)”.

“(Palocci) me disse que ele mesmo ia relatar, em depoimento, como era o caixa dois no Brasil. Deu a entender que ia falar do sistema bancário, eu entendi que ia falar da TV Globo. E fiquei apreensivo. Voltei e conversei com o Eduardo [Cunha] e com o [João] Vaccari [ex-tesoureiro do PT que está preso]: “Tô achando que o Palocci vai fazer delação”.

“Os dois ficaram indignados comigo. Principalmente o Eduardo, que disse: “Eu convivi com ele. Em hipótese nenhuma”. Eu deixei para lá”, conta Dirceu.

Para Dirceu, a mulher de João Santana, Mônica Moura foi submetida a um “terror psicológico” ao ser enviada para “a triagem de Piraquara, uma das piores penitenciárias do Paraná”.

Dirceu contou também que o empreiteiro Marcelo Odebrecht fazia ginástica cerca de oito horas por dia e não convivia com outros presos.

Inocência

José Dirceu continua se dizendo inocente e diz que errou apenas ao estabelecer uma “relação duvidosa” com o lobista e delator Milton Pascowitch, ao receber a reforma em um imóvel sem pagar por ela. “Era um empréstimo não declarado. Que virou propina. Foi uma relação indevida. Admito. Mas não criminosa”, afirmou o petista.

Dirceu disse que “não tem patrimônio” e tem R$ 2 mil na conta.  Ele diz que “não deveria ter feito consultoria” com a Engevix, porque “ela cria um campo nebuloso entre os meus interesses como consultor e o interesse público”. Mas entende que foi condenado “por razões políticas”.

Dirceu comparou o PT à Igreja Católica, que “tem uma história de crimes contra a humanidade”, mas afirma que o partido “está do lado certo da história”.

“Armas” e “golpe”

Citando exemplos históricos, Dirceu disse que “o Juscelino [Kubitschek] só tomou posse porque o [marechal Henrique Teixeira] Lott deu o contragolpe” e que “só teve a posse do Jango porque [Leonel] Brizola se levantou em armas”.

E concluiu: “só derrotamos tentativas de golpe quando a gente tem armas. Estou falando sério”

Eleições

Dirceu defende que “as esquerdas” (PSOL, PCdoB, PT, PDT e PSB) se unam nas eleições presidenciais deste ano e vê o ministro Joaquim Barbosa, recém-filiado ao PSB, como “uma incógnita” que “pode ser cooptado pela direita”.

Dirceu defendeu manter a candidatura de Lula e registrá-lo em agosto para manter o partido unido. “Daqui a 60 dias, o Lula vai tomar a decisão do que fazer, consultando a executiva, os deputados”, mesmo de dentro da prisão, prevê o ex-ministro. “Da prisão você consulta quem quiser. Lula vai transferir de 14% a 18% de votos para o candidato que ele apoiar”, prevê.

Para Dirceu, “o lado de lá tem a TV Globo, o aparato judicial militar e o poder econômico. Mas está mais desorganizado e enfraquecido do que nós”.

Marco Antonio Villa comentou a entrevista de Dirceu:

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