Maiores garantias ou cortes? Gestores culturais se dividem sobre novas regras da Lei Rouanet

Principal ponto da instrução normativa é a redução do teto máximo de captação para projetos individuais

  • Por Felipe Neves
  • 26/04/2019 14h47
Cícero Rodrigues / Divulgação Imagem de arquivo da Orquestra Sinfônica Brasileira. Com quase 8 décadas de existência, ela tem 98% de seus recursos com origem na lei

As mudanças nas regras da Lei Rouanet anunciadas nesta semana pelo ministro da Cidadania, Osmar Terra, têm dividido o setor cultural. Diretores de espetáculos, orquestras e fundações divergem sobre os benefícios que as alterações trarão. Embora alguns acreditem que os repasses passarão a ser mais justos, outros levantam a possibilidade de atividades lucrativas serem encerradas no futuro.

O principal ponto da nova instrução normativa, publicada na quarta-feira (24), é a redução do teto máximo de captação para projetos individuais. Antes, a lei permitia incentivos até a casa dos R$ 60 milhões para propostas do tipo. A partir de agora, o limite de distribuição não poderá ultrapassar R$ 1 milhão.

Ficam de fora do teto, no entanto, museus, instituições de preservação do patrimônio histórico e entidades com planos anuais que dependam de captação aprovada pelo mecanismo.

Cultura x Entretenimento

Para a diretora-executiva da Orquestra Sinfônica Brasileira, Ana Flávia Leite, a salvaguarda garantirá os repasses que têm sustentado o grupo nos últimos anos. Com quase 8 décadas de existência, a OSB tem 98% de seus recursos com origem na Lei Rouanet.

Leite chama de “vício” o modo como a captação dos recursos através da lei se desenvolveu no país. “No caso do Brasil, o mercado se viciou em apoiar projetos lucrativos”, diz. “O entretenimento ganhou muito, mas não necessariamente a cultura nacional em si, que acabou tendo recursos drenados por conta de grandes espetáculos”.

O diretor da Fundação Bienal de São Paulo, José Olympio da Veiga, corrobora a versão. “Estamos de fora do corte geral e, mesmo assim, nossas receitas dependem da lei em mais ou menos 50%, temos outras fontes”, ameniza. “No âmbito geral, é preciso averiguar cada caso para não haver abuso”.

Musicais, um mercado à parte

Há, no entanto, quem tenha motivos para se preocupar com as mudanças. No momento, o setor de musicais é o mais apreensivo. Com projetos que captam, em média, de R$ 8 a R$ 10 milhões pela Lei Rouanet, a área se beneficiou do boom dos últimos 10 anos, mas, agora, pode ter que diminuir drasticamente a quantidade e o tamanho dos espetáculos.

Diretora da EGG Entretenimento, uma das maiores no setor brasileiro de musicais, Stephany Mayorkis diz que a mudança terá “consequências dramáticas” para o mercado. As artes cênicas captaram cerca de R$ 480 milhões através do mecanismo no ano passado.

“É uma decisão que pode matar o segmento, sem dúvida. Estamos assustados”, lamenta Mayorkis. “Nós temos uma cadeia produtiva enorme, muitas vezes com mais de 400 pessoas trabalhando direta e indiretamente em cada evento. Espero que haja reflexão do governo sobre isso e possamos mudar algo através do diálogo”.

Ministro defende distribuição mais igualitária

Em entrevista ao Jornal da Manhã da Jovem Pan nesta semana, Osmar Terra relativizou a importância do setor de musicais nas áreas beneficiadas pelo mecanismo. “Se tem público e gera lucro, não precisa da Lei Rouanet”, defendeu.

O ministro também encampa a ideia de que os recursos sejam distribuídos de forma mais igualitária entre as regiões do país. De fato, os 10 maiores captadores da lei no ano passado estão localizados em São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. Com a ideia de diminuir a concentração, o ministério dobrou o teto para projetos individuais direcionados ao Nordeste, que podem agora captar até R$2 milhões.

Criada em 1991 pelo então secretário Nacional de Cultura Sérgio Paulo Rouanet, a lei permite que iniciativas captem recursos de empresas para financiar seus projetos. Os doadores podem, então, abater o valor aplicado de sua declaração de Imposto de Renda. A dedução máxima é de 6% para pessoas físicas e 4% para pessoas jurídicas.

No ano passado, um estudo inédito feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) demonstrou que, a cada R$ 1 investido pela lei desde a sua criação, R$ 1,59 retornou para a sociedade, gerando renda aos produtores.

O estudo também apontou que 66% dos projetos foram realizados ao custo de até R$ 48,9 mil. As iniciativas que captaram até a casa dos R$249,9 mil foram cerca de 10% do total.

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