MPF denuncia 3 membros da ditadura pela morte de militante político
Pela primeira vez, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou membros da Justiça e do Ministério Público Militar por colaborarem com a ditadura (1964-1985). Três autoridades que fizeram parte do regime militar foram denunciados pela morte de Olavo Hanssen, em maio de 1970 e também pela omissão nas investigações sobre o crime.
O ex-delegado Josecir Cuoco é acusado por homicídio duplamente qualificado. O procurador da Justiça Militar aposentado Durval Ayrton Moura de Araújo e o juiz da Auditoria Militar aposentado Nelson da Silva Machado Guimarães devem responder por prevaricação.
Hanssen foi preso em 1° de maio de 1970 enquanto entregava panfletos numa celebração intersindical em comemoração ao Dia do Trabalhador na zona leste da capital. Ele já tinha sido detido outras quatro vezes, sempre por entregar materiais gráficos considerados “subersivos” pelo regime militar.
O militante morreu depois de ser submetido a intensas sessões de tortura nas dependências do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), no centro de São Paulo. Elas ocorreram entre os dias 2 e 8 de maio sob o comando do então delegado Cuoco e com a participação do chefe da equipe de interrogatórios preliminares do Dops, Ernesto Milton Dias, e do investigador Sálvio Fernandes do Monte — ambos já faleceram.
No dia 5, Hanssen foi torturado durante mais de seis horas ininterruptas. De volta à cela, ele estava atordoado, urinava sangue e apresentava ferimentos por todo o corpo. No dia 8 daquele mês, ele foi levado para mais uma sessão de tortura. Quando provavelmente já estava em coma, segundo o Ministério Público Federal, ele foi encaminhado para o Hospital do Exército da 2ª Região Militar e morreu horas depois, na manhã de 9 maio, por insuficência renal aguda.
Inicialmente, os órgãos policiais agirmaram que o militante teria morrido por causas naturais e que seu corpo foi encontrado em um terreno baldio. No entanto, com a repercussão do caso, forjou-se uma nova versão, que dizia que Hanssen cometeu suicídio, ao tomar um pesticida agrícola.
De acordo com o MPF, Durval de Araújo e Nelson Guimarães atuaram diretamente para o desfecho do inquérito. O primeiro descartou a necessidade de mais investigações se limitou a e endossar o teor do relatório policial emitido pouco mais de três meses depois do crime.
“É bem provável que ele a tenha ocultado em suas vestes ou então em partes de seu corpo”, disse o parecer sobre o fato de a substância não ter sido encontrada com o militante apesar das minuciosas revistas a que foi submetido. Embora os sinais de tortura constassem do laudo necroscópico, essas informações não foram mencionadas na manifestação do procurador.
A sentença proferida por Guimarães em novembro de 1970 também foi omissa quanto às circunstâncias da morte. Ao determinar o arquivamento do inquérito, o juiz da 2ª Auditoria do Conselho de Justiça Militar afastou as evidências de tortura e estabeleceu que não existiam, nos autos, elementos que provassem a causa criminosa da morte. “Olavo Hanssen, se estava distribuindo aludidos panfletos numa concentração pacífica de trabalhadores, era, ao mesmo tempo, mais um agente e vítima do sistema de ideias mais abominável e desumano que a mente humana até hoje elaborou”, concluiu a decisão do magistrado.
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