‘Não vou cair’, diz Temer após quatro dias de prisão

  • Por Jovem Pan
  • 12/04/2019 10h27
Agência Brasil Michel Temer, homem idoso de cabelos brancos, de perfil. Está sério e usa terno cinza. O ex-presidente Michel Temer foi preso em 21 de março pela Operação Lava Jato

Depois de passar quatro dias preso, o ex-presidente Michel Temer (MDB) afirmou que “resolveu enfrentar” as acusações que pesam contra ele porque “não vai cair”. “Eu resolvi enfrentar porque eu não vou cair, primeiro ponto. Segundo ponto, não vou cair porque não há provas. Terceiro ponto: não há como produzir provas”, disse ele em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, publicada nesta sexta-feira (12).

Segundo o emedebista, há um “núcleo punitivista” no Ministério Público que quer um “troféu”. “É um núcleo [Temer bate na cadeira] que quer dizer o seguinte: eu quero a cabeça dele, de um ex-presidente da República, na minha sala. Quero um troféu”, criticou. Temer disse acreditar que a procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, não está nesse núcleo, mas que “lementa por ela”, se estiver. “Se ela [Dodge] fez isso propositalmente, eu lamento por ela. Porque ela não está com o melhor direito.”

Sobre sua prisão, Temer disse que foi “surpreendido”. De acordo com ele, os procuradores fizeram um “catado” de vários inquéritos. “A prisão preventiva é para dizer que o sujeito é tão criminoso, tão abandidado que não pode ficar na rua, vai tramar contra nós”, afirmou.

O ex-presidente foi irônico ao dizer que corre o risco de ser considerado dono de concessionárias, frigoríficos e construturos por ter editado medidas a favor desses setores. Questionado sobre como reage à possibilidade de voltar a ser preso, ele respondeu que não acredita nisso, mas que crê em “arbitrariedades” porque “não há provas”.

“Cadê a prova? Se quiserem ilações, sugiro aos procuradores que façam a seguinte ilação: eu produzi, enquanto presidente, um projeto que se denominou Rota 2030, para incentivar a produção de veículos. Sabe por quê? Porque eu tenho muitas montadoras e concessionárias em meu nome”, disse. “Eu autorizei a Embraer a fazer acordo com a Boeing. Sabe por quê? Tenho metade das ações da Embraer”, continuou Temer.

“Eu estou dizendo isso porque a partir dessa concepção de que fulano de tal me ajudou e fulano pertence a empresa tal que eu passei a ser dono de uma empresa. A partir de ilações das mais variadas.”

A respeito da edição do decreto dos Portos, a partir do qual, segundo o Ministério Público, o ex-presidente recebeu propina para beneficiar o setor porturário, Temer se defende dizendo que o decreto moderniza “uma lei do tempo da ex-presidente [Dilma Rousseff], que tramitou três meses no Ministério dos Transportes, depois mais seis meses na Casa Civil”. De acordo com ele, a acusação é “fantasiosa”. “Se eu assinei o decreto dos portos, eu sou responsável e recebo propina dos portos. É uma coisa até fantasiosa, fantasmagórica”, afirmou.

Relação com Coronel Lima

O ex-presidente Michel Temer afirmou que querem imputar a ele um “crime de amizade”, como ele denomina, pelo fato de ser amigo do coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo João Baptista Lima Filho. O coronel é dono da empresa Argeplan, suspeita de receber repasses de propina a seu favor.

“Não se pode imputar aquilo que eu chamo de crime da amizade. Se eu conheço fulano, e ele fez alguma coisa, eu sou responsável. É o mesmo raciocínio para dizer: se a empresa tal fala comigo, eu sou responsável pela empresa. Agora, não tenho uma palavra negativa para falar em relação a eles”, afirmou o ex-presidente à Folha.

Temer lembrou que conheceu Lima en 1984 e que ele atuou em todas as suas campanhas eleitorais. De acordo com o ex-presidente, o coronel reformado da PM é “muito trabalhador” e “fez a vida dele com muito trabalho”. “Ele e os sócios dele criaram uma empresa de arquitetura, projetos, construções, e levaram essa empresa adiante, com trabalho deles. Eu acredito que ele procedeu sempre com muita lisura, não tenho dúvida disso.”

Sobre a denúncia de que a empresa Rodrimar pagou propina de R$ 2,4 milhões, até 2010, para a empresa Eliland, de Lima, Temer disse que não ter “a menor ideia do que seja essa Eliland”. “O que a empresa faz, me perdoe dizer, você está com o raciocínio dos procuradores: ‘Se tem alguma coisa da Argeplan, tudo é em benefício do presidente Temer.'”, disse Temer aos jornalistas que o entrevistaram. “Não é isso. Eles fazem a coisa deles lá, sei lá. Aliás, eu poderia indicar mais umas 50 empresas que tem contato comigo. E talvez fossem todas minhas, eu seja sócio.”

Atualmente, os dois não mantém contato, segundo Temer porque, no Brasil de hoje, “se mantiver contato com quem é acusado, você está fazendo obstrução de Justiça”. “Eu tomo cuidado.”

Mensagem a Moreira Franco

A Procuradoria-Geral da República afirma que Temer mandou um mensagem ao ex-ministro Moreira Franco, de madrugada antes da prisão. Moreira foi preso na mesma operação da qual o ex-presidente foi alvo. Sobre o assunto, Temer negou a acusação e alegou que o horário da mensagem estava em outra unidade de tempo.

“Quando eu saí da detenção estava com um amigo meu, com o celular, para verificar o horário da mensagem. Daí ele detectou o seguinte: era 1h25 UTC-0. UTC é uma unidade padrão de horário mundial. UTC-0 é horário de Greenwich. No Brasil é UTC-3”, explicou.

“Eles dizem que foi 1h25 maldosamente, porque duvido que um procurador habilitado, inteligente, competente, persistente, detalhista, pormenorizante, não tenha percebido que aquele horário era da Inglaterra”, continuou ele. “[Disseram isso] para incentivar a ideia da prisão, porque o Moreira me retornou a mensagem à 1h41 de Greenwich. [Dizem] “Ele ligou certamente para dizer que eles seriam presos. Portanto vazou”. Olha o absurdo da situação.”

De acordo com o ex-presidente, ele “jamais teria a indelicadeza” de passar uma mensagem a 1h25 da madrugada.

O conteúdo da mensagem, segundo ele, foi uma pergunta “está acordado?” para saber sobre a reunião da Fundação Ulysses Guimarães, presidida por Moreira, e sobre uma reunião da executiva do partido que tinham ocorrido naquele dia.

Rodrigo Janot e a J&F

O ex-presidente Michel Temer mencionou algumas vezes, ao longo da entrevista, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Segundo o emedebista, ele atendeu Janot inúmeras vezes no “porão” onde também recebeu Joesley Batista, da J&F, que o gravou em maio de 2017 e cujo conteúdo veio à tona na mesma época. “Janot foi o provocador disso. Pega três telefonemas gravados e diz: ‘Temer quis prestigiar a [empresa] Rodrimar'”.

Maristela Temer

O ex-presidente afirmou que sua filha Maristela, ré por lavagem de dinheiro, “sofreu muito” ao longo das investigações. De acordo com os procuradores, materiais de construção usados numa reforma na casa dela foram pagos em dinheiro vivo pela esposa do coronel Lima, Rita.

“Ela fez uma pequena reforma em 2011 e depois quis ampliar. Ela falou comigo e eu disse: procure Lima e a Rita [mulher do coronel] que trabalham nessa área e podem te ajudar”, recordou Temer. “Apreenderam todas as contas bancárias dela e sabe o que encontraram? [Saldo] negativo, cheque especial.”

Sobre as acusações que pesam sobre Maristela, o ex-presidente disse que ela “vai ter formas de dizer isso” à Justiça. “Vai depender da comprovação judicial que está sendo preparada. Eu só não posso antecipar tudo agora.”

Governo Bolsonaro

Temer economizou comentários ao abordar o governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL), seu sucessor. De acordo com o emedebista, cem dias é “pouco” para fazer uma avaliação. “Acho que o presidente Bolsonaro terá a condição de revelar o que foi feito, até por uma razão singelíssima: ele está dando sequência àquilo que nós fizemos.”

O ex-presidente ressaltou que foi ele quem lançou a reforma da Previdência e disse que o conteúdo de sua proposta é que será aprovado. “Combate os privilégios, faz com que a aposentadoria seja a mesma para quem está no serviço público e na atividade privada e estabelece os limites de idade, 62 para as mulheres e 65 para os homens”, disse. Temer, no entanto, acha que o benefício de prestação continuada “pode cair”, assim como a questão do trabalhador rural.

Sobre a relação entre Bolsonaro e o Congresso Nacional, Michel Temer afirmou que seu sucessor “melhorou muito” e que percebeu que “quem não tem relação com o Congresso não subsiste”. “Eu acho que ele logo se apercebeu disso, também por uma razão muito simples: ele passou 28 anos no Parlamento, sabe como as coisas funcionam.”

Questionado sobre a troca de farpas entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), Temer disse que o parlamentar quer a reforma “mais do que ninguém”. “Acho que o Rodrigo vai colaborar muito e esses entreveros, simplesmente verbais, não dificultarão os relacionamentos institucionais.”

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