Os cinco pontos mais polêmicos do decreto de Bolsonaro que muda as regras da CNH

  • Por Carolina Fortes
  • 08/06/2019 11h30 - Atualizado em 08/06/2019 11h56
Marcelo Gonçalves/Estadão Conteúdo O projeto precisa ser analisado pelas comissões da Câmara e depois ser votada por deputados e senadores

Desde que entregou, nesta terça-feira (4), o projeto de lei para a alteração das regras da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o presidente Jair Bolsonaro tem enfrentado críticas de diversos setores da sociedade.

A proposta foi oferecida junto com os ministros da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, e da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e demais líderes partidários. O projeto precisa ser analisado pelas comissões da Câmara e depois ser votada por deputados e senadores.

Dentre as principais alterações, estão o aumento do número de pontos necessários para a suspensão da carteira de motorista de 20 para 40; a duplicação da validade do documento, passando para dez anos; o fim da multa para quem transportar criança sem cadeirinha; a suspensão do exame toxicológico para profissionais das categorias C, D e E; e a retirada da exclusividade das clínicas credenciadas pelo Detran na emissão de atestados de saúde.

O Detran foi contatado para comentar a respeito do decreto, mas não quis se posicionar a respeito.

Confira as mudanças mais polêmicas:

Aumento da pontuação

Atualmente, a suspensão da CNH ocorre quando o condutor atinge o número máximo de 20 ou mais pontos dentro de 12 meses ou por infrações gravíssimas, como dirigir alcoolizado ou pilotar moto sem capacete. No novo decreto, a perda do documento acontecerá assim que atingidos 40 ou mais pontos.

Segundo dados do Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran-SP), em 2018, 434.195 CNHs foram suspensas. De janeiro a abril de 2019, este número é de 152.855, o que representa menos de 1% do total de carteiras registradas no Estado. Das que estão com pontos ativos atualmente, 2% têm de 20 a 29 pontos, 1,1% tem de 30 a 39, e 3% tem 40 ou mais. Hoje, 6% dos motoristas tem o risco de perder a carteira. Se o decreto for aprovado, este número diminui para a metade.

O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, afirmou que o aumento dos pontos será fundamental para que os cidadãos não percam o direito de dirigir por atingir rapidamente o limite máximo.

Para o diretor técnico da Associação Brasileira de Segurança Viária (AbSeV), Valter Vendramin, todas as medidas que flexibilizam a condução de veículos precisam ser muito bem pensadas, já que 400 mil pessoas são afetadas por ano por acidentes de trânsito no Brasil, segundo levantamento do Observatório Nacional de Segurança Viária.

De acordo com ele, aumentar o número de pontos irá dobrar a chance do motorista infrator de cometer irregularidades. “Se antes ele podia cometer três infrações gravíssimas, agora pode cometer seis”, exemplificou. “Estamos falando de 40 mil mortes ao ano”, completou.

Já o coordenador do Departamento de Medicina de Tráfego Ocupacional da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Dirceu Rodrigues, acredita que o aumento possibilitará que o indivíduo continue cometendo infrações. “Não podemos jogar coisas no ar que não foram estudadas, que não foram planejadas. Isso é incompatível com a segurança na mobilidade humana do nosso país”, declarou.

Renovação da carteira

Hoje, o artigo 147 do CTB diz que o exame de aptidão física e mental é renovável a cada cinco anos ou, no caso de idosos acima de 65 anos, a cada três anos. O projeto aumenta esse período para 10 anos e, no caso de idosos acima de 65, cinco anos. As carteiras expedidas antes da data de entrada em vigor da lei ficariam, automaticamente, com o prazo de validade prorrogado.

Bolsonaro alegou que o aumento é uma “grande melhora”. “A cada cinco anos, você perdia um dia da sua vida para renovar, agora vai perder um a cada dez anos”, afirmou.

O diretor da Abramet, Dirceu Rodrigues, discorda da declaração do presidente. Ele considera o aumento da validade um erro, principalmente no caso de pessoas idosas.

“Um indivíduo com 65 anos para cima, por exemplo, ele tem doenças degenerativas múltiplas. Nós não podemos sair de três anos para cinco anos de maneira nenhuma, porque nós estaremos deixando, no trânsito, doentes; e doentes que podem ter acidentes graves e, logicamente, lesionar terceiros”, frisou.

Para o coordenador da associação SOS Estradas, Rodolfo Rizotto, este ponto é “discutível”. No entanto, segundo ele, percebe-se que falta um embasamento técnico. “Temos que lembrar que o importante é a preservação da vida”.

Exame toxicológico

A medida que elimina a exigência do exame toxicológico era uma promessa feita a caminhoneiros ainda durante a campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro. Ela suspense o artigo 148-A do CTB, que diz que os “condutores das categorias C, D e E deverão submeter-se a exames toxicológicos para a habilitação e renovação da CNH”.

Atualmente, os condutores  devem fazer o exame no prazo de dois anos e seis meses, e os idosos de um a seis meses. A reprovação no exame previsto tem como consequência a suspensão do direito de dirigir pelo período de três meses.

A Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam) emitiu um comunicado dizendo que o decreto “refere-se a aspectos normativos do setor, sem relação com os interesses dos caminhoneiros”, mas que entende que “vem ao encontro dos objetivos do presidente Bolsonaro de desburocratizar os processos administrativos e desarticular a “indústria das multas”. No entanto, deixa claro que se “preocupa com a flexibilização das penalidades elencadas no Código de Trânsito”.

O diretor técnico da AbSeV, Valter Vendramin, lembrou que os motoristas, muitas vezes, fazem uso de drogas ilícitas porque tem um prazo curto de entrega das mercadorias e precisam dirigir por muitas horas. Sinalizou, porém, que os acidentes causados por caminhoneiros também afetam outras pessoas, e que o uso de tóxicos retarda o tempo de reação e percepção.

Para o coordenador da SOS Estradas, Rodolfo Rizotto, o fim da exigência é “absurdo”. “Os acidentes envolvendo caminhões são 35% dos acidentes das estradas, e 53% dos acidentes fatais. O exame tem o papel de prevenção, pois ele tira a carteira do motorista que é usuário de drogas”.

A obrigatoriedade existe desde 2015 e, segundo pesquisas da Polícia Rodoviária Federal e do Ministério Público do Trabalho de Mato Grosso do Sul, antes da legislação 34% dos motoristas usavam algum tipo de droga. Na última pesquisa, em 2019, o índice caiu para 14%. De acordo com um estudo da SOS Estradas, entre 2015 e 2017, os acidentes com caminhões caíram 34%, e os com ônibus, 45%.

Cadeirinhas infantis

Atualmente, uma resolução do Contran, de 2008, trata das regras para o uso de cadeirinhas ou assento de elevação para crianças de até 7 anos e meio. Entre sete anos e meio e 10 anos, a criança deve usar o cinto de segurança. O artigo 168 do CTB diz que a infração é gravíssima e há multa R$ 293,47, além de retenção do veículo até a regularização da situação.

No novo decreto, as normas do Contran serão incluídas no CTB, e continuam iguais, exceto pelo fim da multa, que será substituída por uma advertência. Bolsonaro defendeu a medida alegando que a penalidade é “mais do que suficiente”, e afirmou que “quem tem responsabilidade são os pais”.

Para Vendramin, da AbSeV, o fim da cobrança de multa não vai adiantar, pois é a única razão que obriga o usuário a utilizar o equipamento de segurança. “Você aumenta a tolerância para 40 pontos, e ainda tira a obrigatoriedade da multa em dinheiro. O usuário vai pensar: não vai mexer no meu bolso, não vou perder minha carteira, então não vou cumprir”, ressaltou.

O diretor da Abramet também concorda que a advertência não é suficiente. “São 170 mil pessoas que ficam incapacitadas por ano devido ao trânsito. Se relaxarmos e não mantivermos a punição severa, não conseguiremos fazer nada em benefício”, disse Rodrigues.

Uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicou que o uso de cadeirinhas infantis reduz em até 60% o número de morte de crianças e adolescentes com até 15 anos de idade em acidentes de trânsito.

Exclusividade das clínicas

Outro ponto polêmico do texto é a retirada do Detran de cada estado a exclusividade das clínicas para os exames de saúde para obtenção ou renovação do documento. As avaliações poderão ser feitas em qualquer clínica, inclusive no Sistema Único de Saúde (SUS), caso o projeto de lei seja aprovado. Para o presidente Jair Bolsonaro, a medida acabará com o “monopólio do Detran”.

O diretor da Abramet, Dirceu Rodrigues, informou que a mudança não poderá ser feita, já que, de acordo com a legislação federal, os médicos precisam ser capacitados para realizar os exames de trânsito. “Ele [Bolsonaro] falou demais. Para um médico fazer este tipo de exame, precisa estar credenciado pelos Detrans”.

Rizotto, por outro lado, concorda com esta mudança do decreto. Segundo ele, “não tem lógica o usuário ter um plano de saúde e mesmo assim precisar pagar pelo exame no Detran”. Além disso, afirmou que as avaliações, principalmente em relação aos motoristas profissionais, têm se mostrado muito precárias. “Precisa rever a qualidade destes exames”, salientou.

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