Internação compulsória e ação policial na Cracolândia dividem Cremesp e Estado

  • Por Jovem Pan
  • 05/06/2017 15h26
Reprodução Ronaldo Laranjeira e Mauro Aranha discordam sobre eficácia de ação policial ostensiva entre usuários de crack

Um debate no Jornal da Manhã desta sexta-feira discutiu a ação do governo do Estado de São Paulo na cracolândia paulistana. Participaram Ronaldo Laranjeira, psiquiatra responsável pelo programa Recomeço, do governo Geraldo Alckmin, e Mauro Aranha, psiquiatra presidente do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo).

Aranha defende a internação compulsória de dependentes de crack como a “terceira opção”, atrás da voluntária e da involuntária (em que a família permite). “O médico (deve) avaliar, junto a uma equipe de saúde, fundamentar a necessidade de internação, um critério psiquiátrico, e solicita a internação a um juiz”, propõe o presidente do Cremesp, lembrando que a prática já é regulamentada.

Laranjeira, por sua vez, cita que em quatro anos de programa Recomeço, “menos de 10%” das “mais de nove mil” internações realizadas pelo Estado foram involuntárias. “Temos um plantão judiciário no Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas) que faz a avaliação da necessidade dessa internação compulsória, composto por juiz, promotor e defensor público”, explica. “A gravidade dos casos na cracolândia requer que a gente tenha vários instrumentos: tratamento ambulatorial, vários tipos de internação e até mesmo uma internação involuntária e compulsória”, defende o coordenador do Recomeço.

Operação policial e falta de confiança

Mauro Aranha, então, defendeu a “distinção” entre políticas públicas na cracolândia e o procedimento médico adotado. “Enquanto políticas públicas, eu penso que a população aprova porque existe, no imaginário das pessoas, a ideia de que uma situação extrema exige uma ação extrema. E essa não é a questão que deve prevalecer quando pensamos em saúde e assistência social”, pondera. 

“A ação do Estado ou da Prefeitura deve preservar as pessoas que estão mais vulneráveis naquela situação. Muitas dessas pessoas estão em situação de rua e são adolescentes”, lembra o presidente do Cremesp, defendendo a “preservação, o máximo possível, do direito à autonomia, quando o usuário ainda tem condição de deliberar e, ao mesmo tempo, ser preservada as ações em assistência social, porque são pessoas vulneráveis, e as ações de saúde”.

Para Aranha, faltou coordenação entre governos do Estado e Prefeitura e a ação fez com que os dependentes perdessem a confiança nas equipes de saúde e social.

“A invasão policial fez com que vários usuários se espalhassem pela cracolândia. Alguns deles perderam a confiança na abordagem das equipes de saúde e social em função dessa intervenção”, constata. “Uma ‘cirurgia’ (ação cirúrgica, pontual, como a defendida por Laranjeira), para que não haja danos colaterais irreversíveis a alguns pacientes, precisa de delicadeza e precisão. Tanto é fato, que a Prefeitura estava fazendo um acordo há dois meses com Cremesp, Ministério Público e várias outras entidades da sociedade civil. E foram todos surpreendidos, inclusive o secretário de Saúde municipal, pela operação que foi eminentemente comandada e conduzida pelo governo do Estado”, explanou o líder do Cremesp.

Já para Laranjeira, “a violência tinha aumentado de uma forma estranha” no antigo ponto onde se localizava a cracolândia e chegou a um nível “intolerável”. ‘Os direitos dos pacientes estavam sendo tolhidos pelo próprio tráfico”, argumenta. “A intervenção policial foi necessária e conseguiu distinguir o traficante e os usuários, que continuam recebendo assistência de saúde”, justifica.

Para o coordenador do programa de saúde de Alckmin, a intevenção foi “pontual” e “cirúrgica”. “Temos de continuar a tratar os usuários”, diz. “O grande desafio é conter o PCC, o crime organizado, porque ele, sim, altera os direitos humanos do Estado”, defende o psiquiatra.

Laranjeira afirma que “a lógica da cracolândia vai mudando o tempo todo” e diz que a intevenção da PM visava a “garantir a segurança dos moradores que moram na região”. “Agora a gente tem muito mais condições de continuar cuidando deles”, posiciona-se. “O avanço foi essa integração do programa municipal com o programa estadual”, completa o psiquiatra do Recomeço, negando o racha entre equipes estadual e municipal relatado por Aranha.

O presidente do Cremesp, no entanto, também torce pelo sucesso das novas políticas públicas. “É a nossa expectativa. Do ponto de vista médico, estamos abertos para travar mais diálogos sobre a questão e buscar convergências favoráveis aos pacientes”, conclui Mauro Aranha.

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