Dilúvio informativo no Texas e seca nas monções

  • Por Caio Blinder/Jovem Pan Nova Iorque
  • 02/09/2017 11h19
EFE/Shahzaib Akber Cidade inundada em Karachi, no Paquistão. Semanas de inundações na Índia, Bangladesh e Nepal causaram mais de 1.200 mortes nas últimos semanas, além de milhões de desabrigados

Nesta semana, os olhos da imprensa global, inclusive deste modesto jornalista brasileiro, estavam mirando no Texas do furacão Harvey, uma tragédia descrita como épica, com dezenas de mortos, milhares de desabrigados e dezenas de bilhões de prejuízos.

As inundações assolam Houston, a quarta cidade dos EUA. Ao mesmo tempo, existe uma seca no noticiário global sobre as enchentes em alguns dos países mais populosos do mundo, no sul da Ásia. Devemos nos sentir culpados por esta negligência jornalística?

Antes do veredito, vamos aos fatos, vamos trabalhar. Semanas de inundações na Índia, Bangladesh e Nepal causaram mais de 1.200 mortes nas últimos semanas, além de milhões de desabrigados.

As águas já baixaram em algumas áreas, mas a temporada de monções não acabou. Uma nova rodada de enchentes praticamente paralisou Mumbai, o centro financeiro da Ïndia e uma das maiores cidades do mundo.

Outra tragédia recente que mereceu uma cobertura seletiva foram as enchentes e o deslizamento de terra em Freetown, capital de  Serra Leoa, na Africa, em 14 de agosto. O governo fala em 450 mortos, mas cifras extraoficiais estimam que foram mais de mil pessoas. Eu falo cobertura seletiva, pois a lendária BBC, de Londres não falta ao serviço nestas horas.

E, então, como fica nossa culpa? Houston é mais valiosa do que os cafundós da Ásia ou da África? Precisamos ser realistas, para não dizer resignados, e aceitar que EUA e Europa são o centro do mundo para a cobertura global de acontecimentos, havendo espaço para outras regiões do mundo como Oriente Médio devido a guerras e terrorismo.

Trata-se de alocação de recursos e também de trabalhar um pouco com  o interesse do consumidor. Se é para ter consolo, vale lembrar que o enfoque já foi pior.

Antes dos tempos em que a BBC prestava atenção no mundo todo, em parte por culpa da herança colonialista, tínhamos as histórias sobre o tom de jornais de sua majestade britânica, com manchetes ao seguinte estilo: Descarrilamento de trem na Índia, um inglês ferido e 92 indianos mortos.

Estou sendo folclórico, mas existe a equação do veterano jornalista americano Mort Rosenblum, que trabalhou muito tempo na agência  AP: a história de cem paquistaneses mortos quando o ônibus vai montanha abaixo vale menos do que a de três ingleses afogados no rio Tâmisa.

Pensando bem, não sei se estamos melhor: quando valem os sapatos altos da Melania Trump usados para sua viagem ao Texas esta semana? Quando vale a história?

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