O heroísmo trágico de Gorbachev

  • Por Caio Blinder/Jovem Pan Nova Iorque
  • 16/09/2017 12h42
Pete Souza/Casa Branca Gorbachev brinda com a primeira-dama estadunidense Nancy Reagan, em 1987

A primeira metade do século 20 teve gigantes, alguns do mal: Churchill, Franklin Roosevelt, Stálin e Hitler. Um dos gigantes da segunda metade foi Mikhail Gorbachev, herdeiro do poder de Stálin, o último líder da União Soviética, um gigante do bem.


O gigante agora recebe uma biografia monumental do professor americano William Taubman, que ganhou o Prêmio Pulitzer por sua biografia de Nikita Khrushchev, outro que teve o poder soviético nas mãos. Taubman só não leva o prêmio de bom título da obra. É o insosso Gorbachev: His Life and Times.

Mais apropriado seria o título Herói Trágico. Esta foi a vida de Gorbachev, reverenciado no exterior e desprezado dentro de casa, visto como um destruidor e traidor por gente como um ex-coronel da KGB chamado Vladimir Putin.

Decrépitos regimes comunistas podem ter longa vida, especialmente se oprimem sem escrúpulos a população. Estão aí Cuba e Coreia do Norte. A opção pragmática de Gorbachev foi abreviar a vida do regime soviético. Produto do sistema, ele queria fazer reformas e melhorar a vida dos cidadãos, permitindo que tivessem mais dignidade e liberdade.

Suas reformas, no entanto, resultaram em uma revolução e no fim da União Soviética. E de pensar que o poder deste filho de camponeses das estepes durou apenas seis anos, de 1985 a 1991.

O legado foi a queda do Muro de Berlim, o fim da Guerra Fria e a perda do poder pelo Partido Comunista em um país imperial que deixara de existir. No projeto de Gorbachev, houve um descompasso entre glasnost (a abertura política) e perestroika, (a reestruturação econômica).

A glasnost acelerou e a perestroika ficou para trás, culminando no caos. Os comunistas chineses tomaram nota e seu modelo sempre foi investir apenas na perestroika.  O regime em Pequim segue vivo, oprimindo.

O biógrafo Taubman é muito generoso com Gorbachev. Ele merece generosidade e respeito. No entanto, ele acreditava que havia futuro no comunismo. Afinal, seu grande amigo na faculdade foi o thecoslovaco Zdenek Mlynar, o ideólogo da Primavera de Praga em 1968 e do projeto do socialismo com face humana. E aqui não vamos confundir a social-democracia ao estilo europeu com o comunismo.

O heroísmo trágico de Gorbachev é ver que o desfecho do seu projeto é Vladimir Putin, o oportunista e revanchista que tirou proveito do fracasso do plano do último líder soviético.

Na frente externa, Gorbachev teve um comparsa gigantesco que foi o presidente americano Ronald Reagan. Eu ainda acredito que Gorbachev tenha sido mais crucial para o fim da Guerra Fria do que  Reagan e um dos motivos foram seus passos mais ousados.

Ironicamente, a grandeza de Gorbachev ficou evidenciada em um passo que ele não deu. Em 1989, ele se recusou a recorrer à força para preservar o comunismo na Europa Oriental.

Sim, na avaliação de Gorbachev, o biógrafo Taubman o define como “um herói trágico que merece nossa compreensão e admiração”. Ao contrário dos russos, eu compartilho esta avaliação.

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