A corda de Putin

  • Por Caio Blinder
  • 04/09/2014 20h21

Nosso homem em Moscou é do tipo que sempre carrega uma corda. Ela pode servir para enforcar ou para resgatar. Criado na duplicidade do jogo de espionagem, nosso homem em Moscou descola utilidade simultânea para a corda. Ele fez isto em um momento extremamente dramático da guerra civil síria, no ano passado, no plano de desmantelamento do arsenal de armas químicas da ditadura de Bashar Assad quando o presidente americano Barack Obama vivia o vexame que fora fixar uma linha vermelha que Assad não poderia cruzar com o uso de armas químicas e não ia adiante com o bombardeio aéreo retaliatório. Nosso homem em Moscou roubou a cena. Que espetáculo! Ele resgatou e enforcou nosso homem em Washington.

Agora, vamos levar a corda para a Ucrânia. Num voo entre a Rússia e a Mongólia, nosso homem em Moscou rabiscou um plano de paz com sete pontos para a guerra civil. Ele também conversou com o presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, um quase enforcado na guerra civil. Após alguns sucessos militares, as coisas se reverteram para as tropas ucranianas nos combates contra os separatistas devido ao apoio russo em armas e pessoal, tudo negado pelo dono da corda. Nosso homem em Moscou deixou claro que não permitirá a derrota dos rebeldes. Até bravateou que, se ordenasse uma invasão, as tropas russas ocupariam Kiev em duas semanas.

O dilema para Poroshenko é atroz e os sinais são de divisões dentro do seu governo com a jogada de Moscou. Seu Exército não é páreo para o combinado separatistas/russos e líderes ocidentais descartam uma intervenção militar na Ucrânia, embora haja algumas pressões para o envio de armas ao governo Poroshenko. No entanto, um cessar-fogo nos termos de Putin significaria o recuo das tropas governamentais no leste ucraniano. Com isto, o conflito ficaria “congelado”, deixando os rebeldes com o controle de duas importantes cidades (Donetsk e Luhansk) e das estratégicas áreas industriais em torno delas. É um status que dá muita vantagem para Moscou no seu objetivo de sabotar os planos de estabilização da Ucrânia e de seus la ços mais próximos com a Uni ão Europeia.

O “timing” do lance do nosso homem em Moscou é impecável. É um esforço para “baratinar” a reunião de cúpula da Otan no País de Gales. A aliança militar ocidental se reposiciona para enfrentar os truculentos e ao mesmo tempo ágeis movimentos do nosso homem em Moscou, empenhado em desmantelar a ordem que começou a ser erguida com o final da Guerra Fria, ou seja, a absorção de países da Europa Oriental pelo projeto europeu/ocidental.

Mais do que isto, o dono da corda quer detonar a ordem europeia do pós-guerra, avessa a mudanças fronteiriças pelo uso de força. Diante do desafio, o Ocidente, porém, se mostra frágil e dividido. Há pouco apetite na União Europeia para enfrentar o urso russo para valer, imposto sanções draconianas (como eu disse, a opção militar está descartada). O custo é imenso e nosso homem em Moscou se mostra disposto a arriscar muito mais do que os adversários e exibe espertos lances táticos.

Evidentemente, um dos objetivos da Rússia neste exato momento é semear dúvidas entre países europeus que se preparam para empacotar novas sanções devido às transgressões russas na Ucrânia. Nosso homem em Moscou oferece uma corda com este esquema de um “processo de paz” na Ucrânia. Um pequeno consolo para um mundo ocidental atarantado foi a decisão da França, um país campeão de hipocrisia e de venalidades, de ao menos suspender a entrega de um dos dois navios de guerra vendidos à Rússia quando nosso homem em Moscou rouba a cena com sua longa corda.

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