Editorial: Cunha e Renan tentam desarmar pauta-bomba que PT conseguiu aprovar no Supremo

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 29/09/2015 18h54
Marcelo Camargo/Agência Brasil Eduardo Cunha e Renan Calheiros

Os presidentes da Câmara e do Senado, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Renan Calheiros (PMDB-AL), respectivamente, articulam para que os senadores votem com urgência Proposta de Emenda Constitucional já aprovada na Câmara que constitucionaliza a doação de pessoas jurídicas a campanhas até o limite de R$ 20 milhões, desde que o valor não ultrapasse 2% do faturamento bruto da empresa e 0,5% a um único partido.

Por que isso se faz necessário? Estamos a praticamente um ano das eleições municipais, e ninguém sabe de onde vai sair o dinheiro legal para financiá-las — já que o financiamento público não está aprovado. Quem fez essa barafunda? A OAB, que recorreu ao Supremo alegando que a doação de empresas é inconstitucional, e oito ministros do tribunal, que concordaram com a tese absurda.

Já escrevi aqui e reitero: o caminho por meio do qual o Supremo decidiu declarar essa inconstitucionalidade permite qualquer coisa. A decisão autoritária, atrabiliária, absurda mesmo foi tomada com base no fundamento de que tal possibilidade compromete a normalidade e a legitimidade das eleições porque estabelece condições desiguais de participação e competição.

Entendam: nada na Constituição proíbe a doação. Isso é só livre interpretação. Bem, a ser assim, dá para declarar inconstitucionais a beleza, a inteligência, o talento, escolham aí. Afinal, criam condições desiguais de participação… Ou alguém vai negar que os mais belos, inteligentes e talentosos, como regra, não como exceção, se dão melhor na vida?

Declare-se também inconstitucional a propriedade — se bem que a nossa Constituição chegou perto, não é mesmo? “Ah, Reinaldo, aqueles dotes a que você se refere são da natureza, não socialmente construídos…” Em primeiro lugar, a sociedade que valoriza essas características, por óbvio e sem querer parecer tautológico, é socialmente construída. Em segundo lugar, as empresas não são excrescências que brotaram na cultura humana como abscessos que precisam ser purgados. Fazem parte da nossa segunda natureza — as construções humanas. As doações não podem é ser falcatruas. Esse é outro problema.

Mas, até aqui, fiquei no aspecto, vamos dizer filosófico. Do ponto de vista prático, proibir as doações significa entregar as eleições ao caixa dois e empurrar a política para o terreno do crime organizado, que é quem lida com dinheiro sem registro e com moeda sonante. E a Justiça Eleitoral, que só age quando provocada — e, por sua natureza, de forma tardia — nada poderá fazer. Pior: a decisão beneficia, por princípio, o partido que já vinha, como se nota pelo petrolão, extorquindo empresas. Quando terá amealhado nesse tempo e quanto terá guardado para o próximo pleito?

A quantidade de tolices fáceis ditas durante o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade é brutal. A mais rombuda saiu da boca da ministra Rosa Weber: “A influência do poder econômico culmina por transformar o processo eleitoral em jogo político de cartas marcadas, odiosa pantomima que faz do eleitor um fantoche, esboroando a um só tempo a cidadania, a democracia e a soberania popular”.

AH, é? Então os governantes eleitos são ilegítimos. Se é assim, vamos metê-los todos na cadeia e criar um Comitê de Salvação Pública para governar o Brasil. A farsa dessa tese nasceu da pena de Roberto Barroso, ainda apenas advogado, a serviço da OAB, que, por sua vez, atuava em parceria com o PT. O partido, que está sendo banido da vida pública pelo eleitor, quer o financiamento público de campanha porque, ao se estabelecerem os critérios para doar verbas do Orçamento, ele necessariamente sairá ganhando porque se vai levar em conta a quantidade de votos obtida pela legenda em 2014.

Para escândalo dos escândalos: o Supremo declarou a inconstitucionalidade da doação de campanha, mas, como adverti em texto no meu blog no dia 18 de setembro, não modulou a decisão, como exige o Artigo 27 da Lei 9.868, a saber:
“Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.”

Assim, se o Supremo não disser a partir de quando a doação é inconstitucional, praticamente todos os políticos brasileiros eleitos são ilegítimos. Nesta terça, o ministro Gilmar Mendes, que votou contra a proibição, foi ao ponto:
“Não houve a modulação, não se sabe nem o que está em vigor. Até quem não é da área de direito sabe que precisa modular. Não adianta ficar dando de valente: ‘a gente já disse”. A gente já disse um bando de bobagens. Não é a lei do mais esperto ou de quem grita mais”.

Aliás, quem saiu na linha da valentia oca foi Luiz Fux, o relator da ADI que resultou na proibição. O ministro Dias Toffoli, presidente do TSE, chegou a defender regras de transição até a proibição, que permitissem, por exemplo, a doação nas eleições de prefeitos e vereadores. Fux, envergando as vestes do juiz-ditador, deu piti:
“Em princípio, acho que é inviável uma ordem normativa secundária querer superar uma decisão do Supremo num controle de constitucionalidade. [A decisão do STF] Não admite de forma alguma. Na ordem de sobreposição das cortes, o Supremo vem no ápice. Se alguém tem que se curvar, não é o Supremo, são os outros tribunais”.

O Supremo tem de ser curvar às leis, senhor ministro, que vêm antes das cortes, que apenas as aplicam. Ou o senhor nega a existência do Artigo 27 da Lei 9.868?

Dilma vetou projeto aprovado na Câmara que aprovou o financiamento de campanha. Os deputados querem agora que o Congresso derrube o veto para, em troca, barrar a pauta-bomba. Bem, alguém precisa restabelecer o equilíbrio entre os Poderes e lembrar a alguns ministros do Supremo que eles não estão aí para fazer o que eles gostariam que deputados e senadores fizessem.

Sempre há tempo de Luiz Fux e Roberto Barroso, por exemplo, disputarem eleições. Aí poderão propor quantos projetos de lei e de emenda constitucional lhes derem na telha.

Enquanto não forem representantes eleitos do povo, terão de se contentar com as prerrogativas do Supremo, que já são amplas o bastante, não é mesmo?

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